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domingo, 28 de dezembro de 2014

"TEJE" PRESO, CORRUPTOR!

Corruptor sendo preso? Como isso agora é possível? Ora, pela Lei nº12.846, de iniciativa do Executivo,  que entrou em vigor em janeiro deste ano.  Além de prisão de sócios e executivos de empresas corruptoras, há punição com multas sobre o faturamento bruto, valor nunca inferior ao da vantagem conseguida irregularmente. Se tivéssemos uma mídia comprometida com a honestidade, essa lei teria sido aclamada.

Com a Lava Jato, pela primeira vez os corruptores estão sendo caçados. Mesmo os da outra ponta, os corruptos, só recentemente começaram a ser presos (ainda que seletivamente). As prisões de corruptores são um indicativo de que a lei pode pegar. As blindagens que têm nas altas esferas poderão acontecer enquanto a massa estiver fazendo passeatas pela volta da ditadura militar e quebrando vitrines de lojas. Esse desvio de foco permite, por exemplo, que Maluf, procurado em 186 países (por corrupção no Brasil), com comprovado desvio de dinheiro público, incluído na Lei da Ficha Limpa por juízes que honram o Judiciário, tenha sido autorizado pelas instâncias superiores (sempre elas) a tomar posse como deputado federal. O desvio de foco permite ainda que um juiz (que virou magistrado por decreto, não por concurso) engavete processo que impede financiamento de empresas a campanhas eleitorais (o placar da votação estava 6X1 pela aprovação. Portanto, aprovado, mas...). Permite que o propinoduto tucano denunciado pela Siemens (que rendeu punições em países europeus) fique repousando tranquilo nas ricas gavetas do poder, com alta conivência da mídia. Nunca aconteceram manifestações contra o calcanhar de aquiles do Brasil: a parte podre do Judiciário. 

Saiu no Estadão que os recebedores de doações das empreiteiras envolvidas na corrupção foram o PT, o PMDB, o PP e "mais alguns" (adivinhem quem são os "mais alguns"). Na verdade, todos os partidos, exceto o PSOL, PSTU, PCO e PCB, foram financiados pelas empreiteiras acusadas de escândalo (pesquisa realizada pela Gazeta do Povo no TSE, publicada em 28.11.14). 


A corrupção na Petrobrás é coisa antiga. Em 1996, o jornalista Paulo Francis publicou  que o alto comando da empresa praticava corrupção e que vários de seus dirigentes mantinham dinheiro de propina em contas na Suíça. O presidente da empresa, Joel Rennó, não tomou qualquer providência. Apenas processou o jornalista. Era mais fácil processar o denunciante do que investigar e impedir a maracutaia. A Lava Jato está aterrorizando os antigos diretores e políticos dessa época. O fantasma de Paulo  Francis está assombrando. É preciso investigar tudo. Disse o jornalista Luiz Fernando Vieira, da Folha: “Por que passamos a achar que nos cabe apenas noticiar os acontecimentos mais recentes, sonegando ao leitor informações que ampliariam sua capacidade de discernimento?”. 

 Grande facilitador para a perpetuação da corrupção foi a Lei 9478/97, a "Lei do Petróleo", de FHC. Quebrou o monopólio da Petrobrás e instituiu o "procedimento simplificado" (contratar sem licitação). Daí, a vaca foi pro brejo. O PT manteve a promiscuidade, emporcalhou sua história e também tem que pagar por isso. Ele e os outros todos.

Há dez anos estão no Supremo duas ações para que a Petrobrás volte a obedecer a Lei de Licitações. Em uma das decisões, Gilmar Mendes (de novo!!!) permitiu que a empresa continuasse a contratar sem licitações.

Muitos querem mostrar instabilidade no Brasil pelo andamento da operação Lava Jato e pelo fato de estarem ocorrendo prisões. Bem o contrário! Punição de corruptos e corruptores mostra um país forte, não instável.

Vamos criticar, lutar para que a corrupção seja varrida no Brasil. Para se criticar, porém, é preciso ter informações, fundamentos, foco. É preciso sempre procurar dados corretos. Temos o direito e o dever da crítica. Afinal, estão nos roubando. Todos os ladrões e seus protetores têm que ser punidos.

angeloroman@terra.com.br  

No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62996&Not=



domingo, 21 de dezembro de 2014

QUE MENTIRA!!

A namorada gordinha pergunta: “Amorzinho, estou gorda?”. O namorado fala a verdade ou mente?

A mentira é assunto de discussão entre os filósofos. Alguns não a admitem em qualquer hipótese.  Para outros, ela é admissível em determinadas situações. Para Constant (filósofo francês): "Devemos dizer a verdade quando o ouvinte tiver direito a ela". Exemplo: Um assassino bate à sua porta com a intenção de matar seu amigo que está em sua casa. Você deve dizer a verdade quando o assassino perguntar sobre o paradeiro do seu amigo, ou deve mentir e dizer que o amigo não se encontra no local?  Segundo o filósofo, esse assassino não tem direito à verdade e você não tem o dever de dizê-la.

Cópia de telegrama diplomático da embaixada americana para o Departamento de Estado, vazada pelo Wikileaks, mostra a promessa de José Serra de "flexibilizar" as regras do pré-sal para os norte-americanos se ele vencesse as eleições. Isso é normal para o neoliberalismo, que tem como característica a absoluta liberdade de mercado,  a privatização, a desregulamentação  e o reforço do setor privado na economia. Já vivenciamos isso de 1995 a 2003. Concorde-se ou não, é uma ideologia válida, tentando voltar por aqui. Então, deveria ser assumida. Não negada na frente e seguida religiosamente por trás.  A população tem direito à verdade.

A questão é que nas campanhas políticas o discurso é outro. O telegrama não é desmentido (com o Wikileaks não há desmentidos). Apenas... mente-se. Assim como com a privatização da Petrobrás e do Banco do Brasil,  projeto governamental fartamente documentado e difundido na época. E agora negado. Alguém está mentindo! Quem mente em política conta com a memória curta da população e com o ódio cego que vai se pregando devagar, em doses homeopáticas, até chegar no ponto desejado

Comprovando os dizeres de Hitler de que "as grandes massas cairão mais facilmente numa grande mentira do que numa mentirinha", vimos, com mais ênfase na campanha política, publicações nada imparciais obtendo êxito em suas "notícias" e "denúncias" com o que há de pior em mentiras: rechear de fatos reais.  Elas passam despercebidas e são assimiladas facilmente, sem crítica.

Bem, na Bíblia há uma passagem que mostra Jesus numa “mentirinha” necessária. Em João 7:8 a 7:10 está que Jesus disse aos seus discípulos que subissem sozinhos até a festa dos Judeus que queriam matá-lo. Ele não iria. Porém, depois que os discípulos estavam todos lá, Jesus subiu sozinho, em segredo,  e passou despercebido no meio do povo. Disse que não ia, mas foi. Por uma boa causa: ele queria pregar e convencer os judeus a não o aniquilarem.

Santo Agostinho distingue o mentiroso do embusteiro. Embusteiro mente por fraqueza; o mentiroso gosta de mentir. E sofistica na mentira, com detalhes. Pelo que tenho visto, tem gente que mente sem necessidade. Até mentirinhas, facilmente sacadas pelo ouvinte, que finge que acreditou. Juntam-se um mentiroso e um fingidor. O mentiroso não consegue contar nada sem acrescentar inverdades.

Quanto mais a pessoa mente, mais acredita que diz a verdade. A primeira mentira dói; a segunda já é mais fácil, com explicações pra justificar. Depois ela se torna corriqueira. Passa a ser automática, da mesma forma que se respira.

Dá pra parar de mentir? Sim, primeiro a pessoa aceitando que é um viciado em mentiras. Depois, reeducando a mente para, quando quiser mentir, possa vencer esse impulso, se corrigir e, então começar a ser honesto consigo e com os demais ao seu redor.

Conhece alguém assim? Fora políticos, que já são as pessoas menos acreditadas pela população? Afinal...  todos mentem, seja por gosto ou por dever.


blog: angeloroman.blogspot.com

No jornal:
http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62901&Not=QUE%20MENTIRA!!

domingo, 14 de dezembro de 2014

QUAL O SEU RÓTULO?

Muitos devem se lembrar do dono da Yoki, assassinado e esquartejado pela esposa. Poucos se lembram do nome dele. O que fica é o "dono da Yoki".

Pois é. Temos rótulos e eles é que se tornam importantes. Nós, como indivíduos, desaparecemos. Quem não tem rótulo, então...

Outro dia, numa conversa com pessoas de várias idades, após um gole de cerveja, um jovem comentou que não entendia por que as meninas se apaixonavam por idiotas (rótulo). Ué, simplesmente o suposto idiota tem coisas a oferecer! Para as meninas, o rótulo não é o de idiota. Afinal, as pessoas são classificadas pelas suas habilidades úteis, pelo que fazem para satisfazer as necessidades... dos outros. Quem você é "por dentro" não tem valor, ainda que muitos rótulos sejam formados em cima de pensamentos manifestados, como ter um sentimento piedoso por pessoas pobres, até com boas intenções: "Saibam que estão nos meus pensamentos!". Só que não se faz nada além de pensar. Mas fica como "por dentro ele é gente muito boa!".

Existe muita luta para se construir um rótulo, hoje mais difícil no Brasil: o da exclusividade, que é um tipo de segregação econômica e social. Que graça existe em ter alguma coisa que o vizinho também tem? A medíocre socialite Danuza Leão, a representante da classe rica que se revoltou com os direitos adquiridos pelas domésticas,  diz que é impossível viver sem luxo, que é uma exclusividade, mas há um problema: "Como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?". "Enfrentar 12 horas de avião para Paris e encontrar vendedoras falando português? Melhor ficar aqui mesmo". Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?”. A Danuza hoje está com sérias dificuldades financeiras.

Os "revoltados" com a PEC das Domésticas têm argumentos análogos aos dos escravocratas: se os negros fossem libertados, seriam os principais prejudicados porque não conseguiriam se sustentar sem a “proteção” do senhor de escravos. Com a PEC, haveria desemprego e as empregadas perderiam a "proteção" das patroas. Gente bondosa "por dentro".

Conheci um sujeito que, qualquer que fosse o assunto, começava com algo como "Outro dia eu estava com o diretor da empresa "X"...", ou, "com o irmão do deputado tal", ou "eu estava tomando um vinho com o dono da empresa "Y"..." Puro rótulo para a pessoa referida (diretor, irmão do deputado, dono da empresa, etc.) e demonstração de exclusividade, de prestígio para si. Afinal, esteve com gente importante. Provavelmente quem está lendo isto se lembre de alguém que age dessa forma.

Pessoas assim têm medo de parecer pobre. Então, pagar caro pelas coisas já os torna exclusivos. É sinônimo de "eu posso!". As empresas colocam os rótulos "gourmet" (até em pizza de frango, pipoca)  ou "premium", ou "top", ou "premier", e cobram o dobro. O cliente paga e se diferencia pela "exclusividade". Nos EUA, a Budweiser é das mais baratas. Aqui é "premium". E os que procuram exclusividade exibem marcas como enfeites de árvore de Natal.

Todos temos rótulos. A maioria deles feitos pelos outros. Somos rotulados, acima de qualquer qualidade, pela nossa aparência e por nossos defeitos. Sem direito de defesa. Acabamos tendo dupla identidade: a nossa e a identidade que os outros nos dão.

"Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa." (Eu, etiquetade Carlos Drummond de Andrade, que pode ser lido em: angeloroman.blogspot.com.br)


Ângelo E. Roman - angeloroman@terra.com.br

No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62715&Not=Qual%20%C3%A9%20o%20seu%20r%C3%B3tulo?

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

EU, ETIQUETA

Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório, um nome... estranho. 

Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. 
Minhas meias falam de produto que nunca experimentei mas são comunicados a meus pés. 
Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade. 

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. 

Estou, estou na moda. É duro andar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado. 

Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio,ora vulgar ora bizarro, em língua nacional ou em qualquer língua (qualquer, principalmente). 

E nisto me comparo, tiro glória de minha anulação. Não sou - vê lá - anúncio contratado. 
Eu é que mimosamente pago para anunciar, para vender em bares festas praias pérgulas piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste de ser veste e sandália de uma essência tão viva, independente, que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, minhas idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam e cada gesto, cada olhar cada vinco da roupa sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrine me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto que se oferece como signo de outros objetos estáticos, tarifados.

 Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. 

Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente.

(Carlos Drummond de Andrade)


sábado, 6 de dezembro de 2014

FILHOS PARA O MUNDO OU PARA O MERCADO?

A propaganda de um colégio muito conceituado em Curitiba me assustou: anunciava que preparava os alunos para o vestibular e para o mercado de trabalho. Colocar seu filho, jovem, para ser um fornecedor de mão de obra que o processo produtivo exige é doído. Em muitos casos, os jovens não recebem formação humanista. Só técnica.

Será por esse tal mercado de trabalho que são comuns profissionais mal humorados, médicos que tratam mal seus pacientes, não comparecem ao trabalho (mas recebem o salário), advogados que ficam com o dinheiro de seus clientes, administradores que humilham subordinados, e por aí afora?

Formar para o mundo do trabalho é diferente: capacitar a viver de forma cooperativa e útil à sociedade. Felizmente ainda há escolas que priorizam isso. O aluno recebe formação humanística junto com a técnica. Passa nos vestibulares sem ter estudado (robotizado) especificamente para isso. Tornam-se excelentes profissionais. Tudo pela bagagem abrangente de conhecimento que adquirem.

Aí surge a dicotomia: vocação e profissão. São diferentes. Na vocação, baseada no coração, a pessoa é feliz na própria ação. Na profissão, baseada no pensamento, o prazer está no ganho financeiro daquilo que se faz. Também, uma pessoa pode ter um trabalho como necessidade profissional e realizar sua vocação, por exemplo, fotografando, ou fazendo outra atividade,  nos finais de semana ou em horas de folga. Ou realizar a vocação num trabalho voluntário.

Claro, todas as vocações podem se transformar em profissões. Quando trabalhamos em algo que verdadeiramente tem a ver com nossa vocação, ficamos bem. Quando não, ficamos irritados, de mau humor, entediados.

Há uma luta atual que afeta nosso futuro: políticos por vocação versus políticos por profissão. Antes do golpe militar, vereador não tinha salário. Cidadãos dedicavam parte de seu tempo trabalhando pela comunidade, e exercendo sua profissão normalmente. Para conquistar apoios, os ditadores criaram o salário. Entraram os políticos profissionais. A coisa só piorou de lá pra cá. No âmbito federal, teremos, a partir do ano que vem, o pior Congresso em muitos anos. Cheio de profissionais. Apenas alguns vocacionados.

O professor norte-americano Mark Albion divulgou uma pesquisa que mostra a importância do respeito à vocação e aos valores nas escolhas que uma pessoa faz ao longo da carreira. Pesquisou 1.500 profissionais que haviam concluído o Master in Business Administration (MBA) nas melhores escolas americanas. Deles, 83% buscavam realização financeira. Os outros 17% estavam interessados em atender à sua vocação, que era definida por eles como "algo que me dê prazer, satisfação, que eu goste de fazer".

Vinte anos depois, Albion foi verificar como estava a carreira desses profissionais. Do total, 102 haviam alcançado imenso sucesso em suas carreiras, inclusive financeiramente. Desses, 101 pertenciam ao grupo dos 17%, aqueles que miraram no prazer e acertaram na vocação. Apenas um pertencia ao grupo que fez sua escolha orientada pelo dinheiro.

A palavra vocação vem do latim “vocare” (chamar). A escuta da vocação é difícil, por causa de opções mais glamourosas, ou “da moda”: medicina, engenharia, computação, direito, publicidade. Todas elas, legítimas, se forem vocação.  

Deve-se optar por uma profissão não pelo seu prestígio social, mas por ser sua preferida. Todavia, se um filho diz que quer ser professor, profissão importantíssima e ao mesmo tempo desvalorizada, muitas vezes causa apreensão nos pais. Procuram fazê-lo mudar de ideia. Seria o caso, diante das péssimas condições salarial e de trabalho vivenciadas pelos professores, que se deixasse de lado a ideia de sacerdócio e se adotasse a de profissional? Se professor fosse tratado como um profissional e não como um sacerdote, como é propagado, seria melhor para eles, mestres, e para os alunos?

"Escolha um trabalho que você ame e não terá que trabalhar um único dia em sua vida". (Confúcio).

domingo, 30 de novembro de 2014

SOMOS UM GPS PROGRAMADO POR OUTROS?

Até meu netinho, João Pedro, tirou o sarro, certamente já ouvido dos adultos: "Se você sabe o caminho, pra que GPS?"

Eu, que sou do tempo da máquina de escrever, de fazer conta no papel e na cabeça, utilizo objetos tecnológicos que facilitam minha vida. GPS é um deles. Sei o caminho, mas utilizo para conhecer melhor o aparelho. Afinal, posso realmente precisar quando em viagem. Mas a observação de meu neto me levou a pensar algumas coisas. Primeiro, que minha memória tem suas próprias normas de conduta: muitas vezes eu a convoco para um trabalho de que necessito e não sou atendido. Por outro lado, a danada se apresenta muitas vezes sem ter sido convidada. O GPS ajuda os desmemoriados e os folgados. Com ele, você tem às mãos (ou aos olhos) a programação do caminho que deve percorrer para chegar ao destino, sem se preocupar com a memória.
 
O trabalho que o GPS faz tem analogia com as diversas atividades  humanas na atualidade.  Um professor tradicional recebe a programação do semestre ou ano. Ele tem competência para lidar com coisas não previstas que acontecem na sala de aula? O GPS corrige a rota. E o professor? Consegue, sabendo-se que ele tem que "vencer" o programa e registrar no livro o que deu (dentro da programação)?

Nós, quando abrimos os olhos de manhã, temos nosso GPS interior imediata e automaticamente acionado. A programação do dia passa pela cabeça. Ou seja, a cama quentinha e aconchegante já nos expulsa devidamente programados.

Os estudantes também recebem uma programação na escola para passar no vestibular. Por falar nisso, Rubem Alves dizia que “Se os reitores fizessem o vestibular, seriam reprovados, assim como os professores de cursinho. Então, por que os adolescentes têm que passar?”

Outra programação: o racismo e o preconceito normalmente são criados em casa pelos pais.

Alguns dizem que, como os dias são sempre iguais, apenas seguimos uma rotina, uma programação. Eu já acho a segunda-feira muito diferente da sexta. Programadas, porém diferentes. Mas tem uma coisa que de fato muda todos os dias, quer queira, quer não: a idade. O anúncio solene da mudança só acontece uma vez por ano: no aniversário. Só que ela acontece todos os dias. Programação imutável.

Muitas das nossas opiniões são baseadas nas informações que foram programadas dentro de nós por outras pessoas. Na sociedade de hoje é fácil se tornar programado por outros e de acordo com as perspectivas desses outros, se lhe falta uma mente forte ou a capacidade de pensar por si mesmo. A maior parte das publicações procura apresentar um caminho planejado de pensamento (planejado por elas). Tal qual com um GPS programado por outros, os leitores e seguidores ficam seguindo a rota apresentada, sem olhar de lado, sem ver o ambiente. Enfim, sem pensar. O cérebro é estimulado por palavras de ordem, e a razão é colocada de lado. Daí entra a programação. As "vítimas" são, em grande parte, pessoas que nasceram e cresceram no mundo pré-tecnológico. Ficam deslumbradas com os recursos atuais à sua disposição, principalmente internet, e se especializam em clicar no botão "Compartilhar". Acreditam em tudo o que leem. São programadas pra isso.

Saber sobre esses programas e reconhecê-los quando aparecem permite fazer alguma coisa sobre seus efeitos.

 A tecnologia nos fascina. Não só desperta curiosidade como também pode trazer desafios. Impossível ficarmos à margem dessa evolução. Ela pode, muito, nos ajudar, facilitar nossa vida. O mau uso é o problema.  Quem determina se uma tecnologia é boa ou ruim para a sociedade é a maneira como o usuário se utiliza dela. De qualquer  forma, é melhor para uma criança aprender a andar de bicicleta do que a operar um smartphone ou computador.

Não fossem as manipulações tão facilmente aceitas, poderíamos, com o bom uso das redes sociais, provocar mudanças em nosso país. Seria preciso "desligar" os GPS programados por terceiros.

Pois é. Meu netinho me provocou reflexões.

angeloroman@terra.com.br

No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62342&Not=Somos%20um%20GPS%20programado%20por%20outros?



blog: angeloroman.blogspot.com.br

sábado, 22 de novembro de 2014

O BRASIL ESTÁ FALIDO!

Aprendemos que todos temos o livre-arbítrio: "Possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante".

Bem questionável essa afirmação.  Decidir e escolher, sim, mas dentro de limites. A pessoa escolhe dentro do que o conteúdo de seu cérebro permite, das suas situações, da própria ignorância ou sapiência, de seu condicionamento, pelas  sugestões de quem ela acredita. Isso é realmente ser livre pra escolher?

Quem é subserviente tem sempre alguém  que lhe puxe o cabresto, "sugerindo" qual caminho deve trilhar.  A pessoa pensa que está decidindo por sua vontade, mas não está. Muitas vezes o servilismo é pregado com o título de obediência. Obediência não é sinônimo de subserviência. A obediência é racional, lógica e consciente.
  
O subserviente carrega um fardo pesado nas costas e caminha dissimulando como se estivesse conduzindo plumas. Incomoda primeiro as amizades mais íntimas, depois parentes, vizinhos, colegas de trabalho, amigos das redes sociais e por aí afora. Sente-se grande, o sabido, o bem informado. Nas redes sociais, o subserviente apenas compartilha o que vem de seus "mestres". Os comentários (quando existem) são os chavões de sempre, desprovidos de qualquer pensamento crítico.

Há religiões que incutem na mente de seus integrantes que eles são indignos, incapazes, pequenos e que os superiores da sua igreja são sábios, fortes, investidos de autoridade divina. Se os seguidores não seguirem as regras, sofrerão os horrores do inferno, a brabeza do diabo, as maldições, etc. Com isso, tornam-nos subservientes. Pelo medo.

As manifestações de ódio, de preconceitos que apareceram (e ainda aparecem) na campanha eleitoral, sob a fantasia da democracia e da fé, desnudaram a subserviência e o"livre-arbítrio" direcionado pelos "mestres". Esses "mestres" têm espaço na mídia escrita e televisiva, falam asneiras,  posicionam-se como críticos e são prontamente replicados nas redes sociais. Mesmo que depois os fatos os desmintam, os subservientes replicadores não se tocam.

Algumas publicações divulgam coisas do gênero. Fazem panfletagem política, não jornalismo. Lá no final da "reportagem", ou no rodapé, em letras pequenas, colocam que aqueles fatos narrados não foram comprovados. Isso passa despercebido pelos "críticos" subservientes de plantão. Dois efeitos: 1) a revista tem uma desculpa para questionamentos judiciais e 2) seus serviçais fazem o trabalho sujo de divulgação. Normalmente carregado de palavras de ódio e preconceito. Subservientes propagam impeachment para alguém eleito legal e legitimamente; obedientes respeitam a lei.

O brasileiro subserviente é direcionado a falar mal de seu país. Enquanto é propagado que estamos falidos, a respeitada BBC de Londres diz, em 18.11.14: “ … o fluxo de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) para o Brasil continua em patamares elevados.";  “A atratividade do Brasil para o IDE permanece enorme”; " “Muitas multinacionais sentem que precisam ter um plano para o Brasil para os próximos dez, vinte anos. [...] precisam fazer investimentos para manter sua fatia do mercado no longo prazo.”

O Brasil faliu em 1998 (pegou US$41,5 bilhões do FMI e BIRD), em 2001 (US$15,65 bilhões),em 2002 (US$10 bilhões). Com o FMI dando ordens na política econômica. Nós, empregados, ficamos quatro anos (com inflação) sem reajuste salarial e mais dois com reajuste abaixo da inflação. Os subservientes empregados à época se esqueceram e a mídia contribui para isso. Cadê o livre-arbítrio?

 A Universidade Católica de Brasília fez pesquisa e constatou que 50% das pessoas com curso universitário são analfabetos funcionais: "Não têm o hábito de estudar, aprendem de forma superficial e geralmente decoram o conceito, ao invés de compreender."  É muito fácil detectá-los nas redes sociais.


 Falta um gesto de humildade para os subservientes: despertar, pensar e adquirir autonomia intelectual. E tirar parte do Brasil da falência intelectual. 

No jornal: 
http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62156&Not=O%20BRASIL%20EST%C3%81%20FALIDO!

sábado, 15 de novembro de 2014

QUER CENSURAR A MÍDIA, DILMA?

Na época das discussões sobre o Marco Civil da Internet, apareceu nas redes sociais que era "comunismo", "controle pelo governo", "bolivarianismo", etc. O Marco foi criado para proteger o cidadão.  As provedoras  e empresas exploradoras de conteúdos, com o apoio incondicional da imprensa, com essas e outras palavras que atiçam o senso comum, mobilizaram seus seguidores para se manifestarem contra. Se as pessoas consultassem a lei, perceberiam que ela protege os usuários. Felizmente, ela foi aprovada. E está sendo discutida e adotada em vários países do mundo.

A bola da vez é a regulação da mídia.

Primeiro, é importante saber que os países evoluídos têm leis para isso. A primeira do mundo foi na França: proíbe que grupos de mídia controlem mais do que 30% da mídia impressa diária, incitações ao crime, à discriminação, ao ódio e à violência. Lá existe o "direito de antena", que garante espaço na mídia para movimentos organizados e instituições da sociedade civil. Há uma agência reguladora (Conselho Superior de Audiovisual) para rádio e televisão. As permissões de TV e rádio garantem o pluralismo político: há rádios anarquistas, socialistas, de extrema-direita, etc. Há cotas para músicas francesas e a obrigatoriedade de TVs transmitirem 60% de conteúdo europeu (40% nacional). A mídia tem função educativa, e é monitorada nisso.  O modelo francês é seguido por outros países europeus.

No Brasil, convenientemente, confunde-se liberdade de expressão com liberdade de imprensa. Liberdade de expressão, bem como o direito à informação,  é um direito individual; liberdade de imprensa é  o direito de as empresas jornalísticas tornarem pública informação jornalística e de entretenimento. Os veículos procuram confundir, transferindo a liberdade de expressão do indivíduo para si  próprios.

Pode-se chamar até de doutrinação o que está sendo feito. Primeiro, contra o Marco (felizmente não funcionou). Agora, regulação da mídia, prevista na Constituição. Depois, a reforma política. E por aí afora.

O que irritou os controladores da mídia foi a política adotada pelo governo Lula, que pulverizou as verbas de publicidade estatais entre milhares de veículos. Até então, tudo ia para a grande mídia.

O STF  aboliu a Lei de Imprensa, imposta pelos militares em 1969. A Constituição (arts.220, 221 e 222) prevê a aprovação de leis para o setor, mas os meios de comunicação não querem. Também garante a manifestação do pensamento e a informação, veda a censura. Seja lá o que for aprovado na regulação, não pode ir contra essa garantia. A preocupação dos empresários da mídia é outra: concentração. A propriedade cruzada  no Brasil é alarmante: seis famílias controlam os meios de comunicação do País. Seus membros figuram entre os grandes bilionários do mundo na revista Forbes. Querem manter isso.

Há dois dispositivos que preocupam os coronéis da comunicação: o §5 do art.220: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”; e o art. 54 (para os políticos): "Os Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes." Daí, falam de censura para seus leitores/ouvintes (geralmente bem intencionados) irem contra a regulação.

As concessões são moeda de troca com grupos políticos. Os maiores concessores foram, pela ordem, Sarney, FHC, Figueiredo, Lula. E políticos foram contemplados, contra a Constituição.

Quem adere à hipocrisia discursiva dos coronéis da mídia?


No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=61969&Not=QUER%20CENSURAR%20A%20M%C3%8DDIA,%20DILMA?

domingo, 9 de novembro de 2014

A ARTE DE NÃO LER


"No que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante"

Senso comum: "Quem lê escreve bem". "Quem lê sabe das coisas".

Contraponto (de Schopenhauer): "Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental. Trata-se de um caso semelhante ao do aluno que, ao aprender a escrever, traça com a pena as linhas que o professor fez com o lápis". 
 
Quando eu era professor universitário, o coordenador do curso de Jornalismo considerava a leitura de livros quase igual ao ar que respiramos. Um exagero, pelas variáveis que envolvem o ato de ler. Ele até fazia julgamento sobre as pessoas em função de leitura de livros. Eram comuns seus comentários como "Até quem leu só dois livros entende isso!" quando numa discussão. Como se o pensamento estivesse diretamente ligado ao número de livros lidos. E forçava, com o uso de notas, que os alunos lessem. Não o que preferissem, mas os livros listados pela escola. Só que, quanto mais se é obrigado a ler, menos se pensa. Sobre arte e literatura, nota dez para o coordenador. Erudição não lhe faltava.  Gostava de se reunir com colegas e ficar falando de livros e de filmes. Pensamento crítico sobre o mundo, nota zero.

Segundo Arthur Schopenhauer, "muitos eruditos leram até ficar estúpidos". Pois é. Para o filósofo, aquele que lê muito perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria.

Para o pedagogo Rubem Alves, a escola deve ensinar o prazer de ler. Forçar pode dar algum resultado, mas não desenvolve o prazer da leitura. Dele: "Pensar não é ter as informações. Pensar é o que se faz com as informações".

E há algo muito importante sobre a arte de não ler: o que ler? Literatura faz bem pra alma, traz descobertas, conhecimento de outras culturas e muito mais. Indispensável para todos. Mas é fundamental ler coisas que questionam e desnudam o mundo. Desenvolver a imaginação é bom. Ela sozinha, porém, sem cultura, conhecimento, deixa a pessoa com asas, mas sem pés. Um estudante de Jornalismo tem que ser estimulado a ser crítico dos fatos que nos rodeiam, não crítico literário (pode ser depois, como opção profissional).

Ler exige "ruminar" para tomar para si o que se lê. É como a comida: ela não nos nutre pelo comer, mas pela digestão. Nessa "ruminação" entram os valores de cada um, a procura do contraditório, a busca de outras fontes. Enfim, a procura da verdade. Paulo Freire diz que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Assim, o sentido que cada um tem do que lê depende de sua visão de mundo.  Num mesmo texto lido por pessoas diferentes, cada um lerá à sua maneira, conforme sua "bagagem". Quem só se prende a livros, não lê o mundo. Vê o caminho do autor, o que ele viu nesse caminho, mas é preciso usar os próprios olhos, distinguir o verdadeiro do falso, o bom do mau.

Isso se estende, da mesmíssima forma, a jornais e revistas. As pessoas precisam de verdades e, se leem "verdades" que elas querem, o veículo é adotado como líder.  O que ele disser direciona o pensamento e a ação de seus seguidores. Como no Brasil a grande mídia é um partido de oposição (declaração dos próprios), ocorre a monomania, o pensamento único, que absorve a mente de seus leitores/ouvintes. Afinal, as pessoas tendem a assimilar "o que lhes interessa" (na verdade é o que interessa ao veículo). Explora-se o ferino pensamento schopenhaueriano de que "Quem escreve para tolos sempre encontra um grande público". Felizmente, a cada pouco, diminui o número dos que caem nessa.

A boa leitura pode despertar em nós qualidades que não sabíamos que tínhamos. Para tê-la, é preciso desenvolver a arte de não ler, que consiste em "nem sequer folhear o que ocupa o grande público. Para ler o bom, uma condição é não ler o ruim,  porque a vida é curta e o tempo e a energia escassos." (Schopenhauer).

No jornal GGN: https://jornalggn.com.br/blog/angelo-edval-roman/a-arte-de-nao-ler

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