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domingo, 14 de dezembro de 2014

QUAL O SEU RÓTULO?

Muitos devem se lembrar do dono da Yoki, assassinado e esquartejado pela esposa. Poucos se lembram do nome dele. O que fica é o "dono da Yoki".

Pois é. Temos rótulos e eles é que se tornam importantes. Nós, como indivíduos, desaparecemos. Quem não tem rótulo, então...

Outro dia, numa conversa com pessoas de várias idades, após um gole de cerveja, um jovem comentou que não entendia por que as meninas se apaixonavam por idiotas (rótulo). Ué, simplesmente o suposto idiota tem coisas a oferecer! Para as meninas, o rótulo não é o de idiota. Afinal, as pessoas são classificadas pelas suas habilidades úteis, pelo que fazem para satisfazer as necessidades... dos outros. Quem você é "por dentro" não tem valor, ainda que muitos rótulos sejam formados em cima de pensamentos manifestados, como ter um sentimento piedoso por pessoas pobres, até com boas intenções: "Saibam que estão nos meus pensamentos!". Só que não se faz nada além de pensar. Mas fica como "por dentro ele é gente muito boa!".

Existe muita luta para se construir um rótulo, hoje mais difícil no Brasil: o da exclusividade, que é um tipo de segregação econômica e social. Que graça existe em ter alguma coisa que o vizinho também tem? A medíocre socialite Danuza Leão, a representante da classe rica que se revoltou com os direitos adquiridos pelas domésticas,  diz que é impossível viver sem luxo, que é uma exclusividade, mas há um problema: "Como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?". "Enfrentar 12 horas de avião para Paris e encontrar vendedoras falando português? Melhor ficar aqui mesmo". Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?”. A Danuza hoje está com sérias dificuldades financeiras.

Os "revoltados" com a PEC das Domésticas têm argumentos análogos aos dos escravocratas: se os negros fossem libertados, seriam os principais prejudicados porque não conseguiriam se sustentar sem a “proteção” do senhor de escravos. Com a PEC, haveria desemprego e as empregadas perderiam a "proteção" das patroas. Gente bondosa "por dentro".

Conheci um sujeito que, qualquer que fosse o assunto, começava com algo como "Outro dia eu estava com o diretor da empresa "X"...", ou, "com o irmão do deputado tal", ou "eu estava tomando um vinho com o dono da empresa "Y"..." Puro rótulo para a pessoa referida (diretor, irmão do deputado, dono da empresa, etc.) e demonstração de exclusividade, de prestígio para si. Afinal, esteve com gente importante. Provavelmente quem está lendo isto se lembre de alguém que age dessa forma.

Pessoas assim têm medo de parecer pobre. Então, pagar caro pelas coisas já os torna exclusivos. É sinônimo de "eu posso!". As empresas colocam os rótulos "gourmet" (até em pizza de frango, pipoca)  ou "premium", ou "top", ou "premier", e cobram o dobro. O cliente paga e se diferencia pela "exclusividade". Nos EUA, a Budweiser é das mais baratas. Aqui é "premium". E os que procuram exclusividade exibem marcas como enfeites de árvore de Natal.

Todos temos rótulos. A maioria deles feitos pelos outros. Somos rotulados, acima de qualquer qualidade, pela nossa aparência e por nossos defeitos. Sem direito de defesa. Acabamos tendo dupla identidade: a nossa e a identidade que os outros nos dão.

"Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa." (Eu, etiquetade Carlos Drummond de Andrade, que pode ser lido em: angeloroman.blogspot.com.br)


Ângelo E. Roman - angeloroman@terra.com.br

No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62715&Not=Qual%20%C3%A9%20o%20seu%20r%C3%B3tulo?

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