Muitos devem se lembrar do dono da Yoki, assassinado e
esquartejado pela esposa. Poucos se lembram do nome dele. O que fica é o
"dono da Yoki".
Pois é. Temos rótulos e eles é que se tornam importantes.
Nós, como indivíduos, desaparecemos. Quem não tem rótulo, então...
Outro dia, numa conversa com pessoas de várias idades, após
um gole de cerveja, um jovem comentou que não entendia por que as meninas se
apaixonavam por idiotas (rótulo). Ué, simplesmente o suposto idiota tem coisas
a oferecer! Para as meninas, o rótulo não é o de idiota. Afinal, as pessoas são
classificadas pelas suas habilidades úteis, pelo que fazem para satisfazer as
necessidades... dos outros. Quem você é "por dentro" não tem valor, ainda
que muitos rótulos sejam formados em cima de pensamentos manifestados, como ter
um sentimento piedoso por pessoas pobres, até com boas intenções: "Saibam
que estão nos meus pensamentos!". Só que não se faz nada além de pensar.
Mas fica como "por dentro ele é gente muito boa!".
Existe muita luta para se construir um rótulo, hoje mais
difícil no Brasil: o da exclusividade, que é um tipo de segregação econômica e social.
Que graça existe em ter alguma coisa que o vizinho também tem? A medíocre
socialite Danuza Leão, a representante da classe rica que se revoltou com os
direitos adquiridos pelas domésticas, diz que é impossível viver sem luxo, que é uma
exclusividade, mas há um problema: "Como se diferenciar do resto da
humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas
prestações mensais?". "Enfrentar 12 horas de avião para Paris e
encontrar vendedoras falando português? Melhor ficar aqui mesmo". “Ir a Nova York já teve sua graça,
mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?”. A
Danuza hoje está com sérias dificuldades financeiras.
Os
"revoltados" com a PEC das Domésticas têm argumentos análogos aos dos escravocratas: se os negros fossem libertados, seriam
os principais prejudicados porque não conseguiriam se sustentar sem a “proteção”
do senhor de escravos. Com a PEC, haveria desemprego e as empregadas perderiam
a "proteção" das patroas. Gente bondosa "por dentro".
Conheci
um sujeito que, qualquer que fosse o assunto, começava com algo como
"Outro dia eu estava com o diretor da empresa "X"...", ou,
"com o irmão do deputado tal", ou "eu estava tomando um vinho
com o dono da empresa "Y"..." Puro rótulo para a pessoa referida
(diretor, irmão do deputado, dono da empresa, etc.) e demonstração de
exclusividade, de prestígio para si. Afinal, esteve com gente importante.
Provavelmente quem está lendo isto se lembre de alguém que age dessa forma.
Pessoas
assim têm medo de parecer pobre. Então, pagar caro pelas coisas já os torna
exclusivos. É sinônimo de "eu posso!". As empresas colocam os rótulos
"gourmet" (até em pizza de frango, pipoca) ou "premium", ou "top",
ou "premier", e cobram o dobro. O cliente paga e se diferencia pela
"exclusividade". Nos EUA, a Budweiser é das mais baratas. Aqui é
"premium". E os que procuram exclusividade exibem marcas como
enfeites de árvore de Natal.
Todos
temos rótulos. A maioria deles feitos pelos outros. Somos rotulados, acima de qualquer qualidade, pela nossa
aparência e por nossos defeitos. Sem direito de defesa. Acabamos tendo dupla identidade:
a nossa e a identidade que os outros nos dão.
"Por me ostentar
assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome
retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa." (Eu, etiqueta, de Carlos Drummond de Andrade, que pode ser
lido em: angeloroman.blogspot.com.br)
Ângelo E. Roman - angeloroman@terra.com.br
No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62715&Not=Qual%20%C3%A9%20o%20seu%20r%C3%B3tulo?
No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62715&Not=Qual%20%C3%A9%20o%20seu%20r%C3%B3tulo?
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