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domingo, 24 de agosto de 2014

SAPOS, ESCRAVOS, MANIFESTANTES, MULHERES

Estava indo pra casa a pé, quando vi numa praça um grupo de adolescentes batendo em alguma coisa com uma vara, jogando para cima e chutando. Dali a pouco, um aprumou a bicicleta e passou com as rodas sobre aquilo que eu não sabia o que era. Como o objeto vítima das pancadas se mexeu, olhei melhor e vi que era um animal: um sapo.

Fiquei pensando em como um ser humano, ainda na flor da idade, sente prazer em torturar um animal indefeso. É quase como o matar passarinhos de antigamente. A diferença é que não havia a tortura. 

Quando se quer diminuir uma pessoa, basta chamá-la de animal. Temos os animais como seres tão inferiores, que não merecem respeito. Seriam seres que não sentem dor com a tortura? Indo mais longe no tempo, cento e poucos anos atrás, era isso o que se pensava dos negros. Eram colocados em condições subumanas, apanhavam, eram torturados e viviam apenas para servir ao seu senhor branco. Eram equiparados ao sapo dos meninos de hoje. 

E as mulheres? Quase como escravas. Séculos e séculos de discriminação. Eram proibidas de cantar em igrejas (daí, castravam-se meninos, que ficavam com a voz mais aguda e faziam as vezes das mulheres sopranos), proibidas de votar, de falar e até de ter orgasmo. Eram simples reprodutoras, seres inferiores, a porta do diabo (Gênesis, 3), escrava do homem (Santo Agostinho). Segundo São Jerônimo, " A mulher é uma ferramenta de Satã e um caminho para o Inferno". Para Aristóteles, "A natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens. A mulher é, portanto, um homem inferior". Elas eram como o sapo dos meninos atuais. Ainda hoje, em algumas nações extirpa-se o clitóris das meninas para que não sintam prazer sexual. 

Voltando para nossa época, vejo a polícia atacando manifestantes (não arruaceiros) com violência, e até matando, em Brasília. Manifestante é igual ao sapo dos meninos, é igual ao negro do século passado: não merece respeito, é um ser inferior. Era assim que a ditadura militar tratava quem fosse contestador. Uma parte da polícia continua agindo assim. 

Recentemente, houve um movimento de juízes pedindo aumento salarial. Também, os deputados e senadores fizeram um movimento de protesto contra os milhares de reais em multas que muitos deles receberam por crime eleitoral: fizeram uma lei isentando a si próprios. Nesse caso, são movimentos sem repressão policial, sem agressões, sem mortes. São manifestantes em causa própria, privilegiados. 

Neste país sem rumo, com níveis de corrupção jamais vistos, com impunidade para os verdadeiros criminosos, que tem no seu Congresso vários deles protegidos pela vergonhosa imunidade parlamentar, está se formando uma casta de privilegiados, como os antigos senhores dos escravos, como os meninos que torturam o sapo. E o sapo somos nós.  
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Este artigo foi publicado dia 19.12.99 no Ilustrado, antes de eu parar de escrever por quase 15 anos. Republico. Continua atual. Só que agora os manifestantes (e jornalistas) têm apanhado e os quebra-vitrines têm sido poupados.
angeloroman@terra.com.br

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