O conceito de luta de classes foi originalmente proposto
por Marx e se refere, simplificadamente, aos conflitos entre detentores do
capital e dos meios de produção (sejam senhores feudais ou burgueses) e os
trabalhadores (sejam servos ou proletários).
Reconheço que esse modelo pode não mais dar conta de
explicar a complexidade das relações sociais de um país como o Brasil, pois
essas relações apresentam matizes tonalizados em nosso passado colonial e
escravista, mesclados com os eventos políticos, econômicos e sociais
desencadeados a partir dos anos 30 e, especialmente, a partir de 2003.
Parto da premissa de que temos três classes sociais no
Brasil: 1) A Zelite, 2) A Classe Média, 3) O Povão. Creio que não é difícil
traçar um limite entre esses três grupos utilizando critérios apenas
econômicos. Mas não é isso que proponho. Ainda que isso possa causar arrepios
nos marxistas, proponho, como exercício sociológico meio inconsequente,
falarmos em “classes sociais ideológicas” e não em “classes sociais econômicas”.
Não utilizo "ideológico" no sentido de
"falsa consciência" como os marxistas, mas sim como "conjunto de
valores, aspirações, simbologias, princípios éticos e recursos expressivos de
um grupamento social". O conceito de classe ideológica estaria, porém,
necessariamente permeado pelo componente econômico. Afinal, vivemos em uma
sociedade capitalista.
Quer me parecer que a Zelite e o Povão têm mais
estabelecida sua ideologia, o que é facilitado, é claro, pelo componente
econômico, que acaba orientando sua capacidade de consumo e delimitando suas
aspirações.
E a Classe Média? O que sobra da Zelite e do Povão
compreende essa grande e amorfa camada social, que tem como principal característica ocupar um "não-lugar"
sociológico, o que traz descontentamento, revolta, indignação, infelicidade…(Eu
e, acredito, grande parte de meus amigos do FB, fazemos parte dessa classe).
A Classe Média está sim repleta de sofredores, pois o seu
sonho é fazer parte da Zelite, mas reconhecem que dificilmente isso acontecerá
por vias normais. (Taí um viés para explorar a questão da corrupção). São
aqueles muitos que se sentem excluídos da Zelite por questões econômicas, mas
que consomem seus valores e especialmente procuram copiar seus hábitos de
consumo e simbologias (sua ideologia).
E esses revoltados da Classe Média têm o sofrimento
duplicado, pois vivem sob o medo constante de "cair" para o extrato
inferior do Povão, classe com a qual buscam o tempo todo não se identificar.
Não é difícil perceber que o Povão é muito mais feliz que a
Classe Média, porque reconhece, intuitivamente, que, na verdade, no Brasil,
existe um sistema de castas. E é melhor se contentar com o espaço reservado a
cada um na correlação de forças políticas e econômicas. Tipo assim: “Se Deus
quer assim, vamos relaxar e gozar…!”
Vejo que há muitos novos ricos no Brasil que amealharam
riquezas com muito trabalho, no agronegócio, por exemplo, mas que se
identificam ideologicamente, por conta de suas raízes, mais com o Povão do que
com a Zelite. E há muitos trabalhadores que, não só admiram, como consomem os
valores de seus patrões e exploradores. Leem as mesmas revistas, citam os
mesmos articulistas... Isso é para deixar Marx e Engels desanimados, mas torna
ainda mais complexo e fascinante este ensaio.
Continuo defendendo que a luta de classes existe, sim, no
Brasil e ela é cruel e carregada de ódio. Mas essa luta não acontece com o
objetivo de se conquistarem os meios de produção, como lemos em Marx e Engels.
Ela se desenvolve muito mais pela conquista de um “padrão de consumo
ideológico” ou pela imposição de determinados valores e concepções éticas e
religiosas.
Estas reflexões apressadas podem ajudar a entender por que
é difícil que mobilizações, como as que têm ocorrido nas ruas de cidades
brasileiras, mudem algo no País. Esses movimentos envolvem, predominantemente,
essa classe média ideológica, que leva para a rua uma multiplicidade tão
diversa de bandeiras e interesses difusos, antagônicos e até contraditórios,
que, diluídos, não chegam a constituir uma força de mudança.
Manifestações de rua no Brasil são um belo espetáculo
estético, como o Carnaval, as Procissões, etc. Mas há, sim, alguma diferença
entre uma panela e um tamborim: o som daquela é produzido com raiva; o som
deste, com alegria…
Artur Roman