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segunda-feira, 30 de março de 2015

SOBRE LUTA DE CLASSES E TAMBORINS - Artur Roman

O conceito de luta de classes foi originalmente proposto por Marx e se refere, simplificadamente, aos conflitos entre detentores do capital e dos meios de produção (sejam senhores feudais ou burgueses) e os trabalhadores (sejam servos ou proletários).

Reconheço que esse modelo pode não mais dar conta de explicar a complexidade das relações sociais de um país como o Brasil, pois essas relações apresentam matizes tonalizados em nosso passado colonial e escravista, mesclados com os eventos políticos, econômicos e sociais desencadeados a partir dos anos 30 e, especialmente, a partir de 2003.

Parto da premissa de que temos três classes sociais no Brasil: 1) A Zelite, 2) A Classe Média, 3) O Povão. Creio que não é difícil traçar um limite entre esses três grupos utilizando critérios apenas econômicos. Mas não é isso que proponho. Ainda que isso possa causar arrepios nos marxistas, proponho, como exercício sociológico meio inconsequente, falarmos em “classes sociais ideológicas” e não em “classes sociais econômicas”.

Não utilizo "ideológico" no sentido de "falsa consciência" como os marxistas, mas sim como "conjunto de valores, aspirações, simbologias, princípios éticos e recursos expressivos de um grupamento social". O conceito de classe ideológica estaria, porém, necessariamente permeado pelo componente econômico. Afinal, vivemos em uma sociedade capitalista.

Quer me parecer que a Zelite e o Povão têm mais estabelecida sua ideologia, o que é facilitado, é claro, pelo componente econômico, que acaba orientando sua capacidade de consumo e delimitando suas aspirações.

E a Classe Média? O que sobra da Zelite e do Povão compreende essa grande e amorfa camada social, que tem como principal característica ocupar um "não-lugar" sociológico, o que traz descontentamento, revolta, indignação, infelicidade…(Eu e, acredito, grande parte de meus amigos do FB, fazemos parte dessa classe).

A Classe Média está sim repleta de sofredores, pois o seu sonho é fazer parte da Zelite, mas reconhecem que dificilmente isso acontecerá por vias normais. (Taí um viés para explorar a questão da corrupção). São aqueles muitos que se sentem excluídos da Zelite por questões econômicas, mas que consomem seus valores e especialmente procuram copiar seus hábitos de consumo e simbologias (sua ideologia).

E esses revoltados da Classe Média têm o sofrimento duplicado, pois vivem sob o medo constante de "cair" para o extrato inferior do Povão, classe com a qual buscam o tempo todo não se identificar.

Não é difícil perceber que o Povão é muito mais feliz que a Classe Média, porque reconhece, intuitivamente, que, na verdade, no Brasil, existe um sistema de castas. E é melhor se contentar com o espaço reservado a cada um na correlação de forças políticas e econômicas. Tipo assim: “Se Deus quer assim, vamos relaxar e gozar…!”

Vejo que há muitos novos ricos no Brasil que amealharam riquezas com muito trabalho, no agronegócio, por exemplo, mas que se identificam ideologicamente, por conta de suas raízes, mais com o Povão do que com a Zelite. E há muitos trabalhadores que, não só admiram, como consomem os valores de seus patrões e exploradores. Leem as mesmas revistas, citam os mesmos articulistas... Isso é para deixar Marx e Engels desanimados, mas torna ainda mais complexo e fascinante este ensaio.

Continuo defendendo que a luta de classes existe, sim, no Brasil e ela é cruel e carregada de ódio. Mas essa luta não acontece com o objetivo de se conquistarem os meios de produção, como lemos em Marx e Engels. Ela se desenvolve muito mais pela conquista de um “padrão de consumo ideológico” ou pela imposição de determinados valores e concepções éticas e religiosas.

Estas reflexões apressadas podem ajudar a entender por que é difícil que mobilizações, como as que têm ocorrido nas ruas de cidades brasileiras, mudem algo no País. Esses movimentos envolvem, predominantemente, essa classe média ideológica, que leva para a rua uma multiplicidade tão diversa de bandeiras e interesses difusos, antagônicos e até contraditórios, que, diluídos, não chegam a constituir uma força de mudança.

Manifestações de rua no Brasil são um belo espetáculo estético, como o Carnaval, as Procissões, etc. Mas há, sim, alguma diferença entre uma panela e um tamborim: o som daquela é produzido com raiva; o som deste, com alegria…

Artur Roman


sábado, 28 de março de 2015

TÁ DANADO!

- Viu-se que o financiamento a campanhas eleitorais  feitos por empresas gera alta corrupção. No caso da Petrobrás, boa parte do dinheiro vai aparecer como doação legal e fica por isso mesmo. Esse tipo de financiamento nocivo estava já praticamente eliminado pelo STF, com votos de 6 x 1, quando Gilmar Mendes pediu vistas. Faz um ano. Não tem prazo pra devolver e também não quer.

 - As pessoas não entendem por que Eduardo Cunha  fez uma emenda à MP 627, anistiando multas de planos de saúde de 2 bilhões de reais. E não gostou do veto presidencial. Pra ele, saúde é mercadoria. Ora, ele retribui a gorda doação que recebeu, declarada, da Bradesco Seguros  para sua campanha eleitoral (cadê o Gilmar Mendes?). Complementando, vetou a CPI dos Planos de Saúde. Ignorou as reclamações no Procon.

- O juiz-deus João Carlos de Souza Correa, aquele que deu voz de prisão à policial que ousou interpelá-lo por estar sem habilitação para dirigir e com a documentação do carro irregular, tem história. Usou seu cargo para tentar que um transatlântico atracasse para ele poder fazer compras no free shop da embarcação. Também costumava dirigir seu carro em alta velocidade com giroflex. Afinal, juiz pode, e policial tem que se submeter ao "sabe com quem está falando?" A agente ainda foi condenada a pagar indenização de R$5 mil ao juiz. O corporativismo prevalece.

- O senador Agripino Maia (DEM) foi às ruas e se uniu ao povo nas manifestações pedindo o impeachment da presidente e a volta das forças armadas. Político bom é isso. Vai até a galera. Pouco importa que ele esteja sendo processado por ter cobrado propina de R$1 milhão para permitir um esquema de corrupção no serviço de inspeção veicular no estado que representa.

- A recém-aberta CPI do HSBC começa a apurar a evasão de divisas e fraude fiscal. Se fizer um trabalho sério vai tumultuar mais o cenário político do País. Afinal, os graúdos e grandes financiadores de campanha estão envolvidos. Pizza a vista, porém.

- A Assembleia Legislativa do Paraná, com o patrocínio da Bancada do Camburão, criou, num só dia, cinco CPIs (desde roubos de caixas eletrônicos a maus-tratos contra animais). Assim, não sai a que apuraria esquema de propina por fiscais da Receita Estadual e fraude na licitação para contratação de empresa para manutenção dos veículos do Estado. O "parente distante" do governador, Luiz Abi, é o chefe da quadrilha, segundo o Gaeco.  

- O primo Abi se diz contra corrupção e participou das manifestações de rua pedindo impeachment e intervenção militar. Ganhou habeas corpus de um juiz que defendeu “medidas alternativas à prisão preventiva”(??) ao parente do governador. Um juiz manda prender, com base em evidências e provas, um superior manda soltar.

- Os ajustes fiscais do governo vão pesar no pessoal "do porão". Os "de cima" continuam inatingíveis. Pena que os "de baixo" saíram às ruas dia 15 seguindo a pauta dos "de cima"  que, principalmente, era impeachment,  reimplantação do neoliberalismo, manutenção da comunicação social na mão de seis famílias e intervenção militar. Os "de baixo" devem se manifestar mesmo, mas deveriam portar cartazes manifestando seu descontentamento, com foco, em vez de apoiar, até sem perceber, a pauta dos organizadores, o que vai nos prejudicar ainda mais.

- Para quem precisa usar o cheque especial, a taxa está em 214,2% ao ano, quase chegando à de 1996 (217,71% ao ano).

- A votação a toque de caixa promovida por Eduardo Cunha para o governo arcar com 3 bilhões de reais anuais de estados e municípios, rasgando contratos já celebrados, vai pesar nas finanças.

- Se você pede que punições e que as investigações sobre a Petrobrás não se limitem ao governo do PT, como foi aprovado na Câmara, dizem que você quer proteger esse partido, que é "petralha", etc.  Se disser que o maior problema no Brasil é o alto Judiciário, que pune corruptos seletivamente e muitos são soltos, dizem que você quer desviar das denúncias contra membros do PT .

E assim, "lá vem o Brasil, descendo a ladeira".

No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=64828&Not=T%C3%A1%20danado!

angeloroman@terra.com.br        

sexta-feira, 27 de março de 2015

O VOTO NO DNA


No Paraná, temos diversos políticos cujos currículos têm como destaque (ou apenas isso) o fato de ser filho, ou parente, de políticos que se destacaram no passado.

Alexandre Cury, por ser neto de Anibal Cury, que se destacou não necessariamente por coisas positivas. Beto Richa, filho de José Richa, político de qualidade (o pai). Fruet, por ser filho de Maurício Fruet, que deixou boas recordações. Vic, filha de Ricardo Barros. Renata, filha de Rubens Bueno. Felipe Francischini, filho do Cowboy das Araucárias

Essa filharada tem como única qualidade ser filhos ou netos de políticos, que bem ou mal, ficaram conhecidos.

E Ratinho Jr.? Que qualidades tem? Não precisa. Não é filho de político, mas de um famoso apresentador de programas de nível discutível na televisão. Que tem a ver uma coisa com outra?Pois bem, vira deputado, vira de posição conforme o valor da grana, e, como estamos no Paraná, deve virar governador.

Richa e Fruet não têm a ver com seus pais. Ratinho, Vic, Francischini, Renata e Cury têm tudo a ver com seus fornecedores de DNA. 

Sarney, Barbalho, Calheiros, Sarney elegeram filhos. Tais quais.

O DNA não transmite todas as características. O filho de Pelé tentou ser jogador de futebol e fracassou. Nenhuma filha de Chico Buarque é compositora ou escritora. 

É comum empresários construírem uma grande empresa e, quando morrem, os herdeiros perdem tudo. Não administram bem.

Traídos pelo DNA.

Qual a história desses jovens políticos paranaenses agarrados no DNA?

domingo, 22 de março de 2015

MULHER: SENSÍVEL E INQUEBRANTÁVEL

 “Não sabes tu que és Eva, tu também? A sentença de Deus tem ainda hoje todo o vigor sobre este sexo. Tu és a porta do Diabo." Tertuliano, escritor cristão.

"Homem, tu és o senhor, a mulher é a tua escrava. Foi Deus que quis assim. Sim, as vossas mulheres são vossas servas e vós sois os senhores das vossas mulheres". Santo Agostinho.

"As mulheres não passam de órgãos genitais articulados e dotados da faculdade de gastar todo o nosso dinheiro". William Faulkner


Apesar da respeitosa origem,  discordo das frases acima. Constam do livro "Dicionário Misógino", de Agnes Michaux. Diz a autora que coloca, em 1.200 frases, "..todas asneiras que os homens nos dedicaram desde a noite dos tempos”.
Há algumas realmente ofensivas,  de pessoas ilustradas, como a do filósofo Friedrich Nietzche: "As mulheres são umas vacas. São propriedade, um bem que devemos manter sob chaves, seres feitos para a domesticidade e que só atingem sua perfeição na situação subalterna". E aquela do Maluf: "Está com vontade sexual? Estupra... mas não mata!". Até Platão: "A mulher é um macho castigado. Os machos que foram covardes ou que viveram mal serão transmutados em fêmeas no seu segundo nascimento." Em cada frase vê-se o machismo de que as mulheres foram vítimas por séculos e séculos. E ainda são, em alguns lugares. Até a Bíblia retrata a desigualdade: "Como a Igreja é obediente a Cristo, assim também a esposa deve obedecer em tudo ao seu marido." Efésios 5:24. Afinal, "foi Deus que quis assim” (Santo Agostinho). Coisas da época, claro.
O Terceiro Milênio vem aí. As exigências mundiais são de pessoas sensíveis, empreendedoras, intuitivas. As mulheres batem os homens nisso. Pode-se ver a ascensão feminina no mundo dos negócios, nos vestibulares difíceis, nos concursos. Estão ocupando o espaço merecido.
Depois de séculos de subjugação, elas vêm com toda força, mas de mansinho. Continuam se embelezando (ainda bem!), administrando a casa, ajudando os filhos nas tarefas, e atuando com galhardia no mundo dos negócios, antes restrito aos homens.
  
Imaginem se as mulheres resolvem se vingar dos séculos que viveram oprimidas. Vamos ter que criar um movimento, como os que elas hoje têm. Poderemos chamar de MLM-Movimento pela Libertação Masculina. Seremos chamados de masculinistas. Melhor mesmo é nos anteciparmos e começarmos a negociar pacificamente os espaços, para não sermos trucidados mais tarde.
Nós homens, nos descuidamos. Elas foram devagarinho se apoderando do espaço, e fazendo de conta que nós é que  mandávamos. Tornamo-nos dependentes desse ser tão gracioso. Elas são mais fortes, convenhamos. E conseguem viver sozinhas com mais facilidade do que nós. 
Elas têm seu dia internacional. Nós não. Dizem os mais otimistas que os outros 364 dias são nossos. Sei não! Elas têm o Conselho da Mulher. Não há Conselho do Homem. Participam das associações conosco, e ainda formam uma só pra elas! Tudo isso, uma ocupação sutil de espaço.
Mulheres, que bom que vocês existem! Merecem ocupar seu lugar.
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Escrevi este artigo para homenagear as mulheres em março de 97. Em 2002 parei de escrever e recomecei em 2014. Na época do artigo, recebi algumas mensagens de mulheres criticando-o, considerando-o machista e até ofensivo. Continuo considerando  uma homenagem.
As mulheres avançaram em seus direitos. De 1997 pra cá, mais lentamente, mas elas ocuparam lugar de destaque no mundo político e empresarial.  Merecidamente. Preconceitos ainda existem, mas elas estão conquistando seu espaço.  
Mas, quando uma pessoa está raivosa, o sexismo aflora. Chama as mulheres de vacas e vadias.  

angeloroman@terra.com.br   

No jornal:

http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=64658&Not=Mulher:%20sens%C3%ADvel%20e%20inquebrant%C3%A1vel

domingo, 15 de março de 2015

O MAU É UM MAL NECESSÁRIO

Maluf, Cachoeira, Gilmar Mendes, Fux, Arruda, Dantas, Tófoli, Sarney, Calheiros, João Paulo Cunha, Agnelo Queiroz,  Eduardo Cunha, Armínio Fraga e vários outros são pessoas necessárias para que se possa exercitar o livre-arbítrio. Claro, não precisaríamos de tantos personagens, mas, sem pessoas assim, como iríamos poder fazer comparações e escolher o melhor (ou menos pior, que é o que vem acontecendo no País)? Não apenaspara votar, mas para poder entender o que acontece à nossa volta.
Se só existisse gente boa, ou só gente má, como fazer escolhas numa eleição, por exemplo? Tem (ou teria) que haver elementos para se comparar.

Valorizamos e curtimos o sol graças à noite. Percebemos (subjetivamente, claro) o que é bonito porque existe o feio. O Papa Francisco se destaca pelo contraponto a João Paulo II e Bento XVI.
Não haveria o conceito de bom sem que existisse o de mau. Os contrapontos são essenciais para construirmos os pensamentos e opiniões.  Sem maniqueísmo. Necessitamos dos opostos e dos diferentes, para exercermos o livre-arbítrio. E quando o livre-arbítrio leva a pessoa a escolher o que é mau? Pois é. Complicado. Livre-arbítrio é o poder que cada um tem de escolher suas ações, que caminho seguir. Dicionário Houaiss: possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante.”

Poder-se-ia forçar alguém a escolher quem ou o que se quer com a utilização de ameaças físicas no próprio ou na família; com ameaça de perda de emprego. Porém isso não é necessário. Os especialistas em comunicação, em marketing, direcionam as pessoas para, pensando que exercem o livre-arbítrio, escolherem o pior. Há uma inversão: os maus são os bons, os bons são os maus.  O “isenta de qualquer condicionamento” do Houaiss vai pra cucuia. Como fazer isso? Como fazer uma pessoa pensar que está em seu livre-arbítrio, mas está sendo direcionada, condicionada? 
Não é difícil. Primeiro, leva o leitor/telespectador a pensar que faz parte de uma elite intelectual. Depois, escreve/fala pra ele numa linguagem fácil de ser lida, bem simples, que não exige muito.  Fá-lo aderir a uma “causa pelo País”, quando, na verdade, a causa é pessoal, para beneficiar o manipulador ou seus patrões. Direciona para que não questione nada. O outro lado é mascarado. Vem tudo mastigadinho, sem necessidade de muito trabalho cerebral.  Isso é livre-arbítrio sem liberdade (o bom uso do livre-arbítrio).
Mesmo nessa situação de direcionamento, de condicionamento, de manipulação são necessários o bom e o mau com ou sem inversão. Um juiz que dá habeas-corpus para bandidos e arquiva processos contra seus apaniguados é um sujeito bom, na visão de seus protegidos/financiadores. O chefe do Estado Islâmico é considerado bom pelos seus liderados. Para a Bancada do Camburão, o Richa é bom.
A inversão do bom e do mau aconteceu com o Cristianismo. Antes, bom era quem pertencia à nobreza, superior; mau, o plebeu, inferior. Os sacerdotes disseram que o que é nobre é baixo, que o que é bom, na verdade é mau. E vice-versa. Daí os cristãos começaram a queimar os templos pagãos, na certeza de ir para o céu por estarem fazendo a vontade de Deus. Qualquer semelhança com o Estado Islâmico não é mera coincidência. Daí veio a pregação de que os miseráveis, os que sofrem, os necessitados, os feios são os únicos abençoados por Deus. Isso é muito conveniente.
O Papa Nicolau V autorizou o rei de Portugal a conquistar sarracenos e pagãos e fazê-los escravos perpétuos. Seria para puni-los? Ou por uma bondade papal, queria fazê-los sofrer para serem abençoados por Deus?
O contraponto é fundamental para podermos ter posição sobre alguma coisa. Claro, existem os “tons de cinza”, que cabe a cada um ponderar depois de ver os contrapontos.
Ainda bem que os maus são os outros.

angeloroman@terra.com.br   

No jornal:

http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=64503&Not=O%20mau%20%C3%A9%20um%20mal%20necess%C3%A1rio

sábado, 14 de março de 2015

MANIFESTAÇÕES FAZEM PARTE DA DEMOCRACIA

Seria incoerente quem participou na juventude de tantos movimentos de reivindicação ser contra quem faz isso agora.

O cenário permite reivindicações e sair às ruas provoca mudanças. O problema está na pauta. Grande parte sai contra "isso que está aí", contra "os petralhas", contra "o governo mais corrupto da história", pelo impeachment da presidente, “governo comunista”. "Isso que está aí" é vago e amplo ao mesmo tempo: não se fala do Judiciário podre, do que o presidente da Câmara e do Senado estão fazendo, da corrupção na assembleia do Paraná, dos desmandos dos governadores. O uso de "petralhas" apenas confirma dependência servil intelectual ao representante da Naspers, Reinaldo Azevedo. "Governo mais corrupto da história" foi o de FHC. Para ver isso, basta consultar dados. O tal do “governo comunista” mostra uma indigência de pensamento e uma alienação desconcertantes. Quem diz isso não sabe o que é comunismo. É apenas mais um papagaio, mas de nível muito,  muito baixo.

Impeachment está previsto na Constituição. Mas não há elementos que o permitam. Não há crime de responsabilidade. A presidente não está pessoalmente envolvida em corrupção. Nem com o “domínio do fato”. Sem isso, é golpe. Não foi citada nos inquéritos da Polícia Federal, cujos delegados responsáveis manifestaram nas redes sociais apoio a Aécio e falaram mal dela. Falta de ética. Mesmo eles não conseguiram nada contra ela. Em compensação, não puderam omitir a participação de Aécio. O Procurador Geral resolveu excluir Aécio. A galera “pensante” já caiu nas redes reclamando a presidente estar fora, mesmo não citada. Do Aécio? Ora, com ele, tudo bem. O Cunha e o Calheiros publicamente ameaçam Janot, por estarem incluídos na lista. Ora, Janot não fez a lista. Ele não pode incluir ninguém. Consegue tirar. Pôr não. Será que as pessoas não percebem suas próprias limitações? Que estão sendo inocentes úteis, usados? Que tal pedir impeachment de Calheiros e Cunha?

Não se vêem protestos contra a Câmara ter limitado as investigações sobre a Petrobrás a partir de 2005. Ninguém se indigna por isso! E lá vai bater panelas e xingar a presidente! Se digo isso, já vem os cordeiros dizer que estou defendendo o PT. Uma pinoia! Querer investigação e punição de todos é desejar Justiça.

E o SwissLeak, escondido pela imprensa? São bilhões de corrupção. E Gilmar Mendes engavetando processos que podem beneficiar o País, mas prejudicar seus senhores? E o tribunal que mandou dar posse a Paulo Maluf (com prisão decretada em dezenas de países do mundo, por roubo no Brasil), depois de uma instância inferior ter proibido por ter ficha suja? E soltar Cachoeira, e anular as provas da Satiagraha, Castelo de Areia, etc.?

O MBL, um dos fomentadores do movimento quer a volta do neoliberalismo. Estado mínimo. Saúde, educação privatizados. Livre mercado, sem regulação, etc. Mudar o sistema de partilha da Petrobrás, já prometido por Serra aos norte-americanos tempos atrás se fosse eleito. Bom pra quem? Outro líder, Aécio Neves, está envolvido pessoalmente em alta corrupção, mas conta com o beneplácito do Judiciário. Perdeu a eleição em Minas, onde foi governador, e no Rio, onde passa a semana desde os 17 anos (quando tinha emprego em Brasília, sem precisar comparecer).

Na pauta de reivindicações está não mexer com a regulação da mídia. Os manifestantes estarão avalizando a concentração da mídia em seis famílias ricas do País. Avalizando a derrubada da regulação da Internet, que deu garantias ao usuário, contra o interesse das provedoras. Essa pauta beneficia quem? Os manifestantes? De jeito nenhum. Estão fazendo papel de otários, de gado. Os interessados estarão em suas salas assistindo ao movimento  em telões, com mordomos servindo uísque.

Pede-se a volta dos militares. Isso é de uma insanidade sem tamanho. Falta de saber História. Um mínimo que seja.

O FMI e o Banco Mundial registram dados que mostram um Brasil forte. Em oito anos de governo de FHC, o PIB e a renda per-capita baixaram. Estão lá os dados.

É preciso, antes de tudo, honestidade para se criticar. Seria ingênuo dizer que o desagrado existe apenas nas classes mais abastadas. O povão também está descontente com as últimas medidas governamentais. E tem que reclamar mesmo.


Faça seu protesto, que é um direito. O manifestante deveria, porém, portar um cartaz e dizer contra o que está revoltado. Daí ele legitima o protesto. E há muita coisa pra que se protestar. Ou será, de novo, massa de manobra.

segunda-feira, 9 de março de 2015

MADAMES PEGAM NAS PANELAS

As madames dos bairros nobres, em sua doce ociosidade, com os filhos sob os cuidados das zelosas babás, saíram às janelas bater panelas durante o pronunciamento da presidente Dilma. Já xingaram sem ao menos ouvir. Apenas exercitaram seu ódio.

No chá da tarde de hoje, se reúnem e contam orgulhosas o que fizeram. Têm nojo de pobre. Os maridos rolam de ganhar dinheiro com os juros altos, com a sonegação de impostos, não têm preocupação com salário-desemprego, com o aumento da conta de luz (que diminui a compra de comida), etc.

Tiveram a ajuda de serviçais para saber onde era a cozinha da casa, onde estavam as panelas e para aprenderem como segurá-las nas mãos. Os anéis atrapalhavam, as correntes balançavam muito.

Foram acompanhadas, em outros bairros, pelas suas admiradoras e seguidoras: as mulheres da classe média despolitizada, cujo sonho é ser como as madames. Procuram imitá-las no que podem,  mais levar filho pra escola, fazer uma comidinha, ir pro salão às sextas, exercitar o cérebro com as amigas tentando adivinhar os próximos capítulos da novela. Em Curitiba, abundam. Os maridos incentivam o panelaço. Terminaram o expediente preparando a papelada pra não recolher os impostos que cobraram de seus consumidores. Repetem as piadas que ouviram dos seus senhores e ídolos, chegam em casa com a revista que obedientemente leem, apertada no sovaco, e papagueiam, com ar crítico, o que ouviram ou conseguiram ler.

36 milhões de pessoas que saíram da miséria estão exigindo melhores salários para trabalhar; 10 milhões que se tornaram micro e pequenos empreendedores podem comprar carro, e atrapalham o trânsito nas ruas; cerca de 2  milhões de pobres se sentam nas carteiras ao lado dos abastados nas universidades do País, atrapalhando o cenário com suas roupas simples, sem etiquetas, sendo motivo de chacotas.  Esse povo tem que voltar para as senzalas! Panelaço neles!

As batedoras de panelas não se indignam com o estrago que alguns juízes estão fazendo com a Justiça, com as mordomias que o Judiciário e Legislativo se autoconcedem, com vazamentos seletivos que saem de processos sigilosos, com os processos arquivados seletivamente. Acham que a greve de professores do Paraná é apenas "coisa do PT". Aplaudem a decisão que exige o fim do movimento e pagamento de multa, já que o governador supostamente cumpriu o acordo com os grevistas. Até juiz acredita nisso. Não sabem as paneleiras e seus maridos que professor do Paraná, em sua maioria, não vota no PT, carrega o mesmo ódio pregado pelas suas admiradas madames e seus maridos e têm Síndrome de Estocolmo (como toda a classe média despolitizada), votam no Beto (e vão votar de novo). Professores fazem greve porque têm motivos concretos. Ao contrário das paneleiras. No caso do professorado, nada a ver com politização (dar ou adquirir consciência dos deveres e direitos do cidadão), que um dia, quem sabe, terão. Eles têm que ser defendidos pela população, não atacados.

Na “marcha-a-ré” do dia 15, dados os motivos de seus organizadores (querem, por exemplo, que o pré-sal seja dado aos americanos, como prometeu José Serra em sua campanha para a Presidência), os participantes devem ir vestidos a caráter: de palhaços. Serão os serviçais dos poderosos e das madames.

Que bom se a energia gasta nas passeatas e na bateção de panelas fosse gasta em um movimento contra os abusos das autoridades nos três poderes, contra os engavetamentos de processos, contra as ações neoliberais tão condenadas pelo PT que ele próprio está nos impondo, contra a falência do Paraná, contra os benefícios absurdos autoconcedidos pelas autoridades. No caso das madames, seria um tiro no próprio pé.

 "O panelaço nas varandas gourmet de ontem não foi contra a corrupção", diz o jornalista Juca Kfouri; "Foi contra o incômodo que a elite branca sente ao disputar espaço com esta gente diferenciada que anda frequentando  aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na universidade."


Uma banana pras "indignadas" de plantão com suas panelas importadas. Uma esperança que as da classe média se envergonhem e se reposicionem.

domingo, 8 de março de 2015

ESCREVER UM LIVRO OU CUIDAR DOS PAIS?

Diz a sabedoria popular que um homem só está completo quando planta uma árvore, escreve um livro e tem um filho.
O autor desse ditado deve ter sido um escritor. Criou um adágio para si próprio. O Tom Jobim poderia ter dito que o homem só está completo quando faz uma música. Um pastor da Teologia da Prosperidade diria que só está completo quando tiver casa e um carro na garagem. E assim por diante.
Eu mesmo, e milhões de pessoas, jamais vamos escrever um livro. Então, morreremos lamentando não ter sido uma pessoa completa?
Eu preservaria no ditado o plantio da árvore, que tanto bem traz à humanidade. Aliás, é bem mais fácil plantar árvore do que derrubar. Preservaria ter um filho. Também, é bem mais fácil fazer filho do que evitar. E mais gostoso. Evitar dá um trabalho danado!
Tiraria o livro. Escrever um bom poucos têm condições de fazer. Difícil mesmo é ler e entender os livros.
Colocaria como condição para se sentir completo cuidar dos pais quando eles estiverem velhinhos e não conseguirem mais se cuidar. Isso é um ciclo normal da vida.  O difícil é cuidar de pais que abandonaram ou maltrataram os filhos. Nesses casos, seria dispensável essa etapa. Mas fica faltando para completar o ciclo.
Cuidar dos pais é uma oportunidade que nem todos têm. Eles podem morrer cedo. Muitos deles querem ficar em suas próprias casas, não querem morar com filhos. Isso tem que ser respeitado na medida do possível. Na casa deles, reconhecem sua cadeira, sua TV, seu sofá, sua cama. Ficam mais tranquilos.
Uma pessoa cuidadora pode ficar com os idosos, mas a presença dos filhos diariamente é fundamental. E quando a cuidadora tem que sair, para férias ou outra coisa, o ideal é os filhos a substituírem. Uma oportunidade, não um castigo. Daí é que pode ou não haver a predominância do amor, da paciência, do respeito: o filho vira pai (ou mãe).  É preciso levar ao banheiro, fazer a higiene, dar banho, trocar a roupa, lavar, preparar a comida, cuidar dos remédios, etc. Se a mãe fez isso com a gente quando éramos pequenos, normal fazer o mesmo com ela.
Visitar os pais velhinhos, arrumadinhos, cheirosinhos, penteados e dizer que os ama é uma coisa. Cuidar 24 horas por dia é outra. Daí o amor verdadeiro se revela. A coisa mais importante que existe para quem tem demência são os cuidados da família e de pessoas próximas.
Meu pai e tios morreram muito cedo, pela vida que tiveram. A primeira pessoa que ficou velhinha na família foi minha mãe. Estamos tendo a experiência de lidar com a demência. Ela tem cuidadora, mas diariamente um filho vai uma ou mais vezes vê-la. Quando a cuidadora sai em férias, os filhos se revezam nos cuidados 24 horas por dia (à noite ela dorme bem).  Quanto aprendemos! E quanto vemos que ainda ficamos em débito com ela! Pelo pouco que  lhe fazemos, ela agradece e diz que está nos dando muito trabalho. Oferece comida, como se tivesse condições de cozinhar. Nós é que lhe preparamos as refeições. Pergunta se temos cobertas para dormir, se a cama está arrumada, etc.
Sem essa oportunidade, não completaríamos o ciclo da vida. Claro, numa visão particular minha, tão particular quanto quem disse que o ciclo se completa com escrever um livro.
Não tenho ideia de como será quando ela chegar ao estado avançado de demência. Daremos conta? Teremos o mesmo desprendimento e paciência?
Sabemos que ela, mesmo com dificuldade para reconhecer as pessoas, sente-se bem quando recebe o carinho de alguém.  Ela sente o prazer do momento, que é muito  importante. Apenas não tem a alegria de lembrar depois. Com certeza, algum registro bom permanece lá no fundo.  Fica bem quando conversamos com ela, quando sentamos ao seu lado no almoço.
  O médico Eben Alexander narra em livro uma experiência de quase-morte (EQM) que vivenciou  numa UTI. Quando voltou para esta vida, falou de como  foi importante para ele ter sempre um familiar segurando sua mão, como uma âncora, mesmo não sentindo. Imagine isso para quem está vivo, ainda que com demência. 
Cada um pode escolher três coisas, ou mais, ou menos, para se sentir completo. A de escrever um livro, principalmente, é muito pessoal. A de cuidar dos pais também.


angeloroman@terra.com.br   
No jornal:
http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=64359&Not=Escrever%20um%20livro%20ou%20cuidar%20dos%20pais?   

domingo, 1 de março de 2015

O MENSALÃO NOSSO DE CADA DIA

Mensalão que pagamos,  até sem perceber e sem manifestações expressivas contra.

1) Depois de se autoconferirem aumento de 26,3% nos salários, os deputados estaduais do Paraná fizeram o mesmo com a tal verba de gabinete.  Hoje, cada deputado recebe: R$78,5 mil para contratar funcionários comissionados, R$31,5 mil para despesas com alimentação, correio, telefone, e R$25,3 mil de salário.  Total: R$135,3 mil por mês. A bancada do camburão aplaude.  E lá vai grana! Compare com o salário de um professor e de um policial.

2) Os grandes times de futebol têm dívidas fiscais enormes. E contam com a tolerância e o apoio dos poderes estatais. São mal administrados, pagam altos salários para jogadores, não têm controle, e nós pagamos a conta.  Está na Câmara, em regime de urgência, a renegociação de  dívidas deles com multas e taxas de juros mais baixas do que já são. Não deverão pagar, de novo. E lá vai grana!

3) O Tribunal de Contas do Paraná decidiu que seus membros têm direito a receber auxílio-moradia. Agora resolverão se vão cobrar e receber o auxílio retroativo a 60 meses. E lá vai grana! 

4) O auxílio-moradia criado para os membros do Judiciário e do Ministério Público tem um custo de R$1,5 bilhão ao ano, beneficiando 28.691 pessoas. A banda Raimundos canta: A justiça não me olha porque é cega, mas o seu dinheiro na carteira ela enxerga”. Em alguns estados, estão pedindo bolsa-educação, para pagarem escolas para os filhos. E lá vai grana!

5) Somos onerados pelos escândalos de corrupção que são engavetados ou com os processos anulados (deve acontecer isso com a Lava  Jato quando/se atingir políticos da oposição). Os maiores escândalos: Privatizações -  100 bilhões; Banestado – 42 bilhões; Vampiros da Saúde – 2,4 bilhões; Banco Marka – 1,8 bilhões; TRT de São Paulo – 923 milhões; Anões do Orçamento – 800 milhões; Trensalão em São Paulo -  570 milhões, etc.,  etc. Afora a Satiagraha. E lá vai grana!

6) Teríamos muito dinheiro de volta se a Satiagraha não tivesse sido bloqueada pelo STJ. Curiosamente (?), o Procurador Geral da República (o famigerado Gurgel) perdeu o prazo para recorrer da decisão do tribunal, que anulou as fortíssimas provas obtidas pela Polícia Federal. Elas colocariam muita gente graúda em maus lençóis. Daniel Dantas era o protagonista da história. Ele havia dito que só tinha medo da 1ª instância judicial, porque “lá em cima eu resolvo”. De fato. A propósito, Cachoeira e Maluf estão soltos (“lá em cima” também), e com o produto de suas atividades corruptas. E lá vai grana!

7) Mais três operações, entre muitas, anuladas pelos tribunais superiores: Castelo de Areia,  (envolvia PSDB-PDT-DEM-PP-PPS-PMDB-PSB);  Boi Barrica (irregularidades praticadas pela família Sarney); Operação Dallas (corrupção no Porto de Paranaguá). E lá vai grana!

8) A Constituição prevê taxação de grandes fortunas bem como o imposto progressivo (quem ganha mais tem maior taxação).  Os impostos que temos, de fato são regressivos (quem ganha menos paga mais). Ricos gozam de muitas isenções. Então, nós temos que pagar por quem não paga. Taxar grandes fortunas, heranças e investimentos especulativos é uma tentativa que não passa no Congresso. E lá vai grana!

9) O aplaudido pela imprensa Eduardo Cunha, novo presidente da Câmara, prometeu (e cumpriu) ampliar os benefícios para deputados, como verba-gabinete (de 78 para 92 mil), auxílio-moradia, cota para o exercício da atividade parlamentar (?). Criou a já extinta em 2009 cota aérea para esposas e esposos de parlamentares, que viajarão por nossa conta. Ele cria os benefícios, nós pagamos. E lá vai grana!

Essas coisas parecem piada, mas são reais. Pagamos tudo. Isso só mudará quando o povo tomar consciência e se manifestar. A grande imprensa e algumas instâncias de poder blindam determinados partidos políticos e direciona o que querem que seja criticado e, principalmente, odiado. As pessoas não se sentem mal em estar sendo manipuladas? Tribunais de conta, tribunais Judiciários, Legislativo também deitam e rolam. Só se condena do Executivo federal e seletivamente dos outros poderes. Condene-se, claro, e de qualquer partido, mas não se pode aceitar essa seletividade. Pressão popular funciona.

Enquanto isso, o IPVA subiu 40%, a tabela do Imposto de Renda é reajustada abaixo da inflação e direitos trabalhistas são diminuídos.

Fácil saber onde está o buraco pra onde vai o fruto de nosso trabalho.

No jornal: 
http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=64171&Not=O%20mensal%C3%A3o%20nosso%20de%20cada%20dia

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