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segunda-feira, 30 de março de 2015

SOBRE LUTA DE CLASSES E TAMBORINS - Artur Roman

O conceito de luta de classes foi originalmente proposto por Marx e se refere, simplificadamente, aos conflitos entre detentores do capital e dos meios de produção (sejam senhores feudais ou burgueses) e os trabalhadores (sejam servos ou proletários).

Reconheço que esse modelo pode não mais dar conta de explicar a complexidade das relações sociais de um país como o Brasil, pois essas relações apresentam matizes tonalizados em nosso passado colonial e escravista, mesclados com os eventos políticos, econômicos e sociais desencadeados a partir dos anos 30 e, especialmente, a partir de 2003.

Parto da premissa de que temos três classes sociais no Brasil: 1) A Zelite, 2) A Classe Média, 3) O Povão. Creio que não é difícil traçar um limite entre esses três grupos utilizando critérios apenas econômicos. Mas não é isso que proponho. Ainda que isso possa causar arrepios nos marxistas, proponho, como exercício sociológico meio inconsequente, falarmos em “classes sociais ideológicas” e não em “classes sociais econômicas”.

Não utilizo "ideológico" no sentido de "falsa consciência" como os marxistas, mas sim como "conjunto de valores, aspirações, simbologias, princípios éticos e recursos expressivos de um grupamento social". O conceito de classe ideológica estaria, porém, necessariamente permeado pelo componente econômico. Afinal, vivemos em uma sociedade capitalista.

Quer me parecer que a Zelite e o Povão têm mais estabelecida sua ideologia, o que é facilitado, é claro, pelo componente econômico, que acaba orientando sua capacidade de consumo e delimitando suas aspirações.

E a Classe Média? O que sobra da Zelite e do Povão compreende essa grande e amorfa camada social, que tem como principal característica ocupar um "não-lugar" sociológico, o que traz descontentamento, revolta, indignação, infelicidade…(Eu e, acredito, grande parte de meus amigos do FB, fazemos parte dessa classe).

A Classe Média está sim repleta de sofredores, pois o seu sonho é fazer parte da Zelite, mas reconhecem que dificilmente isso acontecerá por vias normais. (Taí um viés para explorar a questão da corrupção). São aqueles muitos que se sentem excluídos da Zelite por questões econômicas, mas que consomem seus valores e especialmente procuram copiar seus hábitos de consumo e simbologias (sua ideologia).

E esses revoltados da Classe Média têm o sofrimento duplicado, pois vivem sob o medo constante de "cair" para o extrato inferior do Povão, classe com a qual buscam o tempo todo não se identificar.

Não é difícil perceber que o Povão é muito mais feliz que a Classe Média, porque reconhece, intuitivamente, que, na verdade, no Brasil, existe um sistema de castas. E é melhor se contentar com o espaço reservado a cada um na correlação de forças políticas e econômicas. Tipo assim: “Se Deus quer assim, vamos relaxar e gozar…!”

Vejo que há muitos novos ricos no Brasil que amealharam riquezas com muito trabalho, no agronegócio, por exemplo, mas que se identificam ideologicamente, por conta de suas raízes, mais com o Povão do que com a Zelite. E há muitos trabalhadores que, não só admiram, como consomem os valores de seus patrões e exploradores. Leem as mesmas revistas, citam os mesmos articulistas... Isso é para deixar Marx e Engels desanimados, mas torna ainda mais complexo e fascinante este ensaio.

Continuo defendendo que a luta de classes existe, sim, no Brasil e ela é cruel e carregada de ódio. Mas essa luta não acontece com o objetivo de se conquistarem os meios de produção, como lemos em Marx e Engels. Ela se desenvolve muito mais pela conquista de um “padrão de consumo ideológico” ou pela imposição de determinados valores e concepções éticas e religiosas.

Estas reflexões apressadas podem ajudar a entender por que é difícil que mobilizações, como as que têm ocorrido nas ruas de cidades brasileiras, mudem algo no País. Esses movimentos envolvem, predominantemente, essa classe média ideológica, que leva para a rua uma multiplicidade tão diversa de bandeiras e interesses difusos, antagônicos e até contraditórios, que, diluídos, não chegam a constituir uma força de mudança.

Manifestações de rua no Brasil são um belo espetáculo estético, como o Carnaval, as Procissões, etc. Mas há, sim, alguma diferença entre uma panela e um tamborim: o som daquela é produzido com raiva; o som deste, com alegria…

Artur Roman


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