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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A TÊNUE FRONTEIRA ENTRE “HOMENS DE BEM” E BANDIDOS

Fui ao barbeiro cortar o cabelo. Ele contou uma história acontecida na semana, em frente à barbearia, num ponto de ônibus.

Dois sujeitos conversavam sobre assaltar um supermercado próximo. Alto, todos ouvindo. Um dos ouvintes era um policial a paisana. O barbeiro fez questão de falar o nome do policial, orgulhoso por conhecê-lo. Ao ouvir falar sobre o suposto assalto, o policial sacou a arma e apontou-a para um dos “assaltantes”.  O sujeito correu, o policial atirou e o baleado caiu no meio da rua, com dois tiros nas costas. O policial se aproximou, todos vendo, mirou na cabeça do homem deitado e atirou. Nessa hora, o barbeiro parou de cortar meu cabelo e mostrou como o policial fez. Perguntei sobre o outro suposto assaltante. Me respondeu que o outro havia ido a um terreno vizinho urinar e, quando viu o amigo  baleado, gritou “Não me mate, não me mate!”. Esse só levou uma camaçada de pau.

Que história mais inverossímil! Atirar em alguém por causa da tal conversa. Bem, o policial foi aplaudido. Eu me indignei com isso, quando um cliente que estava esperando a vez contou outra história.

No dia anterior tinha ido pegar um filho, de 18 anos, que o esperava no Batel, aonde havia ido pegar um material para seu curso na Federal. Chegando, viu ao longe o filho encostado numa parede, pernas abertas, mãos para cima. Um dos policiais o revistava. O outro estava  com um revólver encostado na cabeça do garoto. O pai ficou desesperado, e apenas pôde ver os policiais terminando o “serviço” e indo embora. Não deu nem pra falar com eles. O filho, resignado, apenas disse que isso acontece sempre. Ele tem a pele amorenada. Não é incomum uma arma nessa situação disparar.

Voltando pra casa, li sobre a abordagem policial a três músicos (dois negros e um branco) que cantavam num ônibus, aqui em Curitiba. Foram algemados [os negros], humilhados e tratados com uma violência descomunal, com choques elétricos e todo o arsenal de crueldade, prática comum quando se trata de lidar com os mais pobres. Tudo isso contra jovens que cometeram o terrível crime de tocar suas músicas dentro de um ônibus (muito aplaudidos pelos usuários do transporte, inclusive).” O branco, que portava “a arma do crime” (um violão), foi ignorado. Teve que dizer que estava com os outros para ir junto à delegacia.

Me lembro de vários casos de abordagem policial a jovens inocentes (filhos de conhecidos meus morreram assim), que resultam em morte “acidental”, ou “pensamos que ia sacar uma arma”, “estava armado”, “apenas nos defendemos”, etc. E a coisa está piorando. Por quê? Porque não há punição, e, pelo aplauso da população favorável ao “bandido bom é bandido morto”, como no caso narrado pelo barbeiro. Avalizam isso também os raivosos que saem em manifestações xingando, agredindo fisicamente quem pensa diferente ou usa uma camiseta de cor “suspeita”.  Hoje, o suposto ladrão no ponto de ônibus. Amanhã, nossos filhos, nossos vizinhos, voltando da faculdade ou do trabalho.

Só nós podemos mudar isso. Temos um judiciário de alto escalão que protege os poderosos. Isso também é violência. Temos uma Assembleia de baixíssimo nível, a exemplo do Congresso, mas pior. Políticos corruptos são reeleitos, polícia bate em professores por ordem superior, agride cidadãos.

Como mudar? Parar de seguir ordens de sair às ruas com o monocórdio impeachment e direcionar para o que realmente nos consome. Felizmente, boa parte está acordando para isso. Os manifestantes seguem como cordeiros um adolescente descocado (que tem pauta danosa, desconhecida por eles) e uma imprensa a serviço de pessoas perniciosas. Um dos homens mais corruptos do Brasil, Eduardo Cunha, é poupado e até elogiado. Dilma mostrou-se incompetente, não corrupta. Até políticos de baixo nível do PSDB e DEM reconhecem a integridade dela. Por que preservar Cunha? Alguém se revoltou com o STF ter adiado para fevereiro o julgamento do pedido legítimo de afastamento do capo? Os nobres ministros não poderiam ter adiado suas longas férias por um ou dois dias para resolver algo que está paralisando o País?

Houve três recursos no STF sobre os procedimentos adotados por Cunha. Um caiu nas mãos de Gilmar Mendes. Indeferido. Outro, na caneta de Celso de Melo. Engavetado. Outro, para Fachin, que acolheu e pediu manifestação da Procuradoria Geral, para a Câmara dos deputados.... Estudou o assunto, relatou o processo e pôs pra julgamento. Exposto o relatório, a imprensa e os comentaristas “políticos” (até cineasta fracassado é comentarista político) elogiaram o relatório. Concorde-se ou não com Fachin, ele não engavetou. Estudou e tomou uma posição. O relatório foi contestado em quatro pontos por contrariar decisões já tomadas pelo mesmo STF por ocasião do impeachment de Collor.   Fachin foi massacrado pelos monomaníacos de sempre quando foi escolhido para ministro, por “ser Dilmista”. Quando fez o relatório, virou herói. Quando foram contestados os quatro pontos, virou herói-vítima. E esse povo vota!

Aos grandes bandidos de paletó e gravata não se pede a morte. São até idolatrados. Quando vão à Justiça normalmente é por iniciativa de outros países. Mas daí acontecem os típicos engavetamentos.  Mais uma seletividade danosa.

Sofremos violência de todos os lados. Em todos os níveis. Se tivéssemos um Judiciário melhor, tudo seria diferente. Nele reside o problema.

Os autodenominados “homens de bem” são um perigo. No Facebook eles põem as ideias que lhes impuseram e acreditam serem suas, afirmando que os “homens de bem” pensam daquele jeito. E agridem quem pensa diferente.

Os policiais assassinos são “homens de bem”? Deputados que apoiam Cunha são "homens de bem"?