Pesquisar neste blog

domingo, 30 de novembro de 2014

SOMOS UM GPS PROGRAMADO POR OUTROS?

Até meu netinho, João Pedro, tirou o sarro, certamente já ouvido dos adultos: "Se você sabe o caminho, pra que GPS?"

Eu, que sou do tempo da máquina de escrever, de fazer conta no papel e na cabeça, utilizo objetos tecnológicos que facilitam minha vida. GPS é um deles. Sei o caminho, mas utilizo para conhecer melhor o aparelho. Afinal, posso realmente precisar quando em viagem. Mas a observação de meu neto me levou a pensar algumas coisas. Primeiro, que minha memória tem suas próprias normas de conduta: muitas vezes eu a convoco para um trabalho de que necessito e não sou atendido. Por outro lado, a danada se apresenta muitas vezes sem ter sido convidada. O GPS ajuda os desmemoriados e os folgados. Com ele, você tem às mãos (ou aos olhos) a programação do caminho que deve percorrer para chegar ao destino, sem se preocupar com a memória.
 
O trabalho que o GPS faz tem analogia com as diversas atividades  humanas na atualidade.  Um professor tradicional recebe a programação do semestre ou ano. Ele tem competência para lidar com coisas não previstas que acontecem na sala de aula? O GPS corrige a rota. E o professor? Consegue, sabendo-se que ele tem que "vencer" o programa e registrar no livro o que deu (dentro da programação)?

Nós, quando abrimos os olhos de manhã, temos nosso GPS interior imediata e automaticamente acionado. A programação do dia passa pela cabeça. Ou seja, a cama quentinha e aconchegante já nos expulsa devidamente programados.

Os estudantes também recebem uma programação na escola para passar no vestibular. Por falar nisso, Rubem Alves dizia que “Se os reitores fizessem o vestibular, seriam reprovados, assim como os professores de cursinho. Então, por que os adolescentes têm que passar?”

Outra programação: o racismo e o preconceito normalmente são criados em casa pelos pais.

Alguns dizem que, como os dias são sempre iguais, apenas seguimos uma rotina, uma programação. Eu já acho a segunda-feira muito diferente da sexta. Programadas, porém diferentes. Mas tem uma coisa que de fato muda todos os dias, quer queira, quer não: a idade. O anúncio solene da mudança só acontece uma vez por ano: no aniversário. Só que ela acontece todos os dias. Programação imutável.

Muitas das nossas opiniões são baseadas nas informações que foram programadas dentro de nós por outras pessoas. Na sociedade de hoje é fácil se tornar programado por outros e de acordo com as perspectivas desses outros, se lhe falta uma mente forte ou a capacidade de pensar por si mesmo. A maior parte das publicações procura apresentar um caminho planejado de pensamento (planejado por elas). Tal qual com um GPS programado por outros, os leitores e seguidores ficam seguindo a rota apresentada, sem olhar de lado, sem ver o ambiente. Enfim, sem pensar. O cérebro é estimulado por palavras de ordem, e a razão é colocada de lado. Daí entra a programação. As "vítimas" são, em grande parte, pessoas que nasceram e cresceram no mundo pré-tecnológico. Ficam deslumbradas com os recursos atuais à sua disposição, principalmente internet, e se especializam em clicar no botão "Compartilhar". Acreditam em tudo o que leem. São programadas pra isso.

Saber sobre esses programas e reconhecê-los quando aparecem permite fazer alguma coisa sobre seus efeitos.

 A tecnologia nos fascina. Não só desperta curiosidade como também pode trazer desafios. Impossível ficarmos à margem dessa evolução. Ela pode, muito, nos ajudar, facilitar nossa vida. O mau uso é o problema.  Quem determina se uma tecnologia é boa ou ruim para a sociedade é a maneira como o usuário se utiliza dela. De qualquer  forma, é melhor para uma criança aprender a andar de bicicleta do que a operar um smartphone ou computador.

Não fossem as manipulações tão facilmente aceitas, poderíamos, com o bom uso das redes sociais, provocar mudanças em nosso país. Seria preciso "desligar" os GPS programados por terceiros.

Pois é. Meu netinho me provocou reflexões.

angeloroman@terra.com.br

No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62342&Not=Somos%20um%20GPS%20programado%20por%20outros?



blog: angeloroman.blogspot.com.br

sábado, 22 de novembro de 2014

O BRASIL ESTÁ FALIDO!

Aprendemos que todos temos o livre-arbítrio: "Possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante".

Bem questionável essa afirmação.  Decidir e escolher, sim, mas dentro de limites. A pessoa escolhe dentro do que o conteúdo de seu cérebro permite, das suas situações, da própria ignorância ou sapiência, de seu condicionamento, pelas  sugestões de quem ela acredita. Isso é realmente ser livre pra escolher?

Quem é subserviente tem sempre alguém  que lhe puxe o cabresto, "sugerindo" qual caminho deve trilhar.  A pessoa pensa que está decidindo por sua vontade, mas não está. Muitas vezes o servilismo é pregado com o título de obediência. Obediência não é sinônimo de subserviência. A obediência é racional, lógica e consciente.
  
O subserviente carrega um fardo pesado nas costas e caminha dissimulando como se estivesse conduzindo plumas. Incomoda primeiro as amizades mais íntimas, depois parentes, vizinhos, colegas de trabalho, amigos das redes sociais e por aí afora. Sente-se grande, o sabido, o bem informado. Nas redes sociais, o subserviente apenas compartilha o que vem de seus "mestres". Os comentários (quando existem) são os chavões de sempre, desprovidos de qualquer pensamento crítico.

Há religiões que incutem na mente de seus integrantes que eles são indignos, incapazes, pequenos e que os superiores da sua igreja são sábios, fortes, investidos de autoridade divina. Se os seguidores não seguirem as regras, sofrerão os horrores do inferno, a brabeza do diabo, as maldições, etc. Com isso, tornam-nos subservientes. Pelo medo.

As manifestações de ódio, de preconceitos que apareceram (e ainda aparecem) na campanha eleitoral, sob a fantasia da democracia e da fé, desnudaram a subserviência e o"livre-arbítrio" direcionado pelos "mestres". Esses "mestres" têm espaço na mídia escrita e televisiva, falam asneiras,  posicionam-se como críticos e são prontamente replicados nas redes sociais. Mesmo que depois os fatos os desmintam, os subservientes replicadores não se tocam.

Algumas publicações divulgam coisas do gênero. Fazem panfletagem política, não jornalismo. Lá no final da "reportagem", ou no rodapé, em letras pequenas, colocam que aqueles fatos narrados não foram comprovados. Isso passa despercebido pelos "críticos" subservientes de plantão. Dois efeitos: 1) a revista tem uma desculpa para questionamentos judiciais e 2) seus serviçais fazem o trabalho sujo de divulgação. Normalmente carregado de palavras de ódio e preconceito. Subservientes propagam impeachment para alguém eleito legal e legitimamente; obedientes respeitam a lei.

O brasileiro subserviente é direcionado a falar mal de seu país. Enquanto é propagado que estamos falidos, a respeitada BBC de Londres diz, em 18.11.14: “ … o fluxo de Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE) para o Brasil continua em patamares elevados.";  “A atratividade do Brasil para o IDE permanece enorme”; " “Muitas multinacionais sentem que precisam ter um plano para o Brasil para os próximos dez, vinte anos. [...] precisam fazer investimentos para manter sua fatia do mercado no longo prazo.”

O Brasil faliu em 1998 (pegou US$41,5 bilhões do FMI e BIRD), em 2001 (US$15,65 bilhões),em 2002 (US$10 bilhões). Com o FMI dando ordens na política econômica. Nós, empregados, ficamos quatro anos (com inflação) sem reajuste salarial e mais dois com reajuste abaixo da inflação. Os subservientes empregados à época se esqueceram e a mídia contribui para isso. Cadê o livre-arbítrio?

 A Universidade Católica de Brasília fez pesquisa e constatou que 50% das pessoas com curso universitário são analfabetos funcionais: "Não têm o hábito de estudar, aprendem de forma superficial e geralmente decoram o conceito, ao invés de compreender."  É muito fácil detectá-los nas redes sociais.


 Falta um gesto de humildade para os subservientes: despertar, pensar e adquirir autonomia intelectual. E tirar parte do Brasil da falência intelectual. 

No jornal: 
http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=62156&Not=O%20BRASIL%20EST%C3%81%20FALIDO!

sábado, 15 de novembro de 2014

QUER CENSURAR A MÍDIA, DILMA?

Na época das discussões sobre o Marco Civil da Internet, apareceu nas redes sociais que era "comunismo", "controle pelo governo", "bolivarianismo", etc. O Marco foi criado para proteger o cidadão.  As provedoras  e empresas exploradoras de conteúdos, com o apoio incondicional da imprensa, com essas e outras palavras que atiçam o senso comum, mobilizaram seus seguidores para se manifestarem contra. Se as pessoas consultassem a lei, perceberiam que ela protege os usuários. Felizmente, ela foi aprovada. E está sendo discutida e adotada em vários países do mundo.

A bola da vez é a regulação da mídia.

Primeiro, é importante saber que os países evoluídos têm leis para isso. A primeira do mundo foi na França: proíbe que grupos de mídia controlem mais do que 30% da mídia impressa diária, incitações ao crime, à discriminação, ao ódio e à violência. Lá existe o "direito de antena", que garante espaço na mídia para movimentos organizados e instituições da sociedade civil. Há uma agência reguladora (Conselho Superior de Audiovisual) para rádio e televisão. As permissões de TV e rádio garantem o pluralismo político: há rádios anarquistas, socialistas, de extrema-direita, etc. Há cotas para músicas francesas e a obrigatoriedade de TVs transmitirem 60% de conteúdo europeu (40% nacional). A mídia tem função educativa, e é monitorada nisso.  O modelo francês é seguido por outros países europeus.

No Brasil, convenientemente, confunde-se liberdade de expressão com liberdade de imprensa. Liberdade de expressão, bem como o direito à informação,  é um direito individual; liberdade de imprensa é  o direito de as empresas jornalísticas tornarem pública informação jornalística e de entretenimento. Os veículos procuram confundir, transferindo a liberdade de expressão do indivíduo para si  próprios.

Pode-se chamar até de doutrinação o que está sendo feito. Primeiro, contra o Marco (felizmente não funcionou). Agora, regulação da mídia, prevista na Constituição. Depois, a reforma política. E por aí afora.

O que irritou os controladores da mídia foi a política adotada pelo governo Lula, que pulverizou as verbas de publicidade estatais entre milhares de veículos. Até então, tudo ia para a grande mídia.

O STF  aboliu a Lei de Imprensa, imposta pelos militares em 1969. A Constituição (arts.220, 221 e 222) prevê a aprovação de leis para o setor, mas os meios de comunicação não querem. Também garante a manifestação do pensamento e a informação, veda a censura. Seja lá o que for aprovado na regulação, não pode ir contra essa garantia. A preocupação dos empresários da mídia é outra: concentração. A propriedade cruzada  no Brasil é alarmante: seis famílias controlam os meios de comunicação do País. Seus membros figuram entre os grandes bilionários do mundo na revista Forbes. Querem manter isso.

Há dois dispositivos que preocupam os coronéis da comunicação: o §5 do art.220: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”; e o art. 54 (para os políticos): "Os Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes." Daí, falam de censura para seus leitores/ouvintes (geralmente bem intencionados) irem contra a regulação.

As concessões são moeda de troca com grupos políticos. Os maiores concessores foram, pela ordem, Sarney, FHC, Figueiredo, Lula. E políticos foram contemplados, contra a Constituição.

Quem adere à hipocrisia discursiva dos coronéis da mídia?


No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=61969&Not=QUER%20CENSURAR%20A%20M%C3%8DDIA,%20DILMA?

domingo, 9 de novembro de 2014

A ARTE DE NÃO LER


"No que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante"

Senso comum: "Quem lê escreve bem". "Quem lê sabe das coisas".

Contraponto (de Schopenhauer): "Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental. Trata-se de um caso semelhante ao do aluno que, ao aprender a escrever, traça com a pena as linhas que o professor fez com o lápis". 
 
Quando eu era professor universitário, o coordenador do curso de Jornalismo considerava a leitura de livros quase igual ao ar que respiramos. Um exagero, pelas variáveis que envolvem o ato de ler. Ele até fazia julgamento sobre as pessoas em função de leitura de livros. Eram comuns seus comentários como "Até quem leu só dois livros entende isso!" quando numa discussão. Como se o pensamento estivesse diretamente ligado ao número de livros lidos. E forçava, com o uso de notas, que os alunos lessem. Não o que preferissem, mas os livros listados pela escola. Só que, quanto mais se é obrigado a ler, menos se pensa. Sobre arte e literatura, nota dez para o coordenador. Erudição não lhe faltava.  Gostava de se reunir com colegas e ficar falando de livros e de filmes. Pensamento crítico sobre o mundo, nota zero.

Segundo Arthur Schopenhauer, "muitos eruditos leram até ficar estúpidos". Pois é. Para o filósofo, aquele que lê muito perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria.

Para o pedagogo Rubem Alves, a escola deve ensinar o prazer de ler. Forçar pode dar algum resultado, mas não desenvolve o prazer da leitura. Dele: "Pensar não é ter as informações. Pensar é o que se faz com as informações".

E há algo muito importante sobre a arte de não ler: o que ler? Literatura faz bem pra alma, traz descobertas, conhecimento de outras culturas e muito mais. Indispensável para todos. Mas é fundamental ler coisas que questionam e desnudam o mundo. Desenvolver a imaginação é bom. Ela sozinha, porém, sem cultura, conhecimento, deixa a pessoa com asas, mas sem pés. Um estudante de Jornalismo tem que ser estimulado a ser crítico dos fatos que nos rodeiam, não crítico literário (pode ser depois, como opção profissional).

Ler exige "ruminar" para tomar para si o que se lê. É como a comida: ela não nos nutre pelo comer, mas pela digestão. Nessa "ruminação" entram os valores de cada um, a procura do contraditório, a busca de outras fontes. Enfim, a procura da verdade. Paulo Freire diz que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Assim, o sentido que cada um tem do que lê depende de sua visão de mundo.  Num mesmo texto lido por pessoas diferentes, cada um lerá à sua maneira, conforme sua "bagagem". Quem só se prende a livros, não lê o mundo. Vê o caminho do autor, o que ele viu nesse caminho, mas é preciso usar os próprios olhos, distinguir o verdadeiro do falso, o bom do mau.

Isso se estende, da mesmíssima forma, a jornais e revistas. As pessoas precisam de verdades e, se leem "verdades" que elas querem, o veículo é adotado como líder.  O que ele disser direciona o pensamento e a ação de seus seguidores. Como no Brasil a grande mídia é um partido de oposição (declaração dos próprios), ocorre a monomania, o pensamento único, que absorve a mente de seus leitores/ouvintes. Afinal, as pessoas tendem a assimilar "o que lhes interessa" (na verdade é o que interessa ao veículo). Explora-se o ferino pensamento schopenhaueriano de que "Quem escreve para tolos sempre encontra um grande público". Felizmente, a cada pouco, diminui o número dos que caem nessa.

A boa leitura pode despertar em nós qualidades que não sabíamos que tínhamos. Para tê-la, é preciso desenvolver a arte de não ler, que consiste em "nem sequer folhear o que ocupa o grande público. Para ler o bom, uma condição é não ler o ruim,  porque a vida é curta e o tempo e a energia escassos." (Schopenhauer).

No jornal GGN: https://jornalggn.com.br/blog/angelo-edval-roman/a-arte-de-nao-ler

angeloroman@terra.com.br    -     www.angeloroman.blogspot.com