Dias atrás, atravessando
a Estação da Luz, em São Paulo, para pegar o metrô, ouvi a parte inicial do
“Concerto para piano e orquestra nº1 em Si bemol menor”, de Tchaikovsky. Mesmo
quem não gosta de música clássica com certeza vai gostar desse início. Tem na
internet.
No salão da estação,
uma senhora bem idosa, sorridente, sentada ao piano, executava a bela música.
As pessoas foram chegando. Ela tocava com perfeição. Chamavam a atenção, além
do emocionante desempenho no balé dos seus dedos sobre as teclas, um surrado
gorro preto, unhas maltratadas, roupas bem humildes e uma sacola de mercado com
roupas e bugigangas aos seus pés. Sobre o piano, uma pequena placa: “Sente e
toque!”.
Ela tinha aparência
de moradora de rua, ou de pessoa muito pobre. Quando se ouvia somente o belo
som do piano, sentia-se o deslumbramento silencioso de todos. Depois, aplausos
sinceros e emocionados. Alguns não conseguiram conter lágrimas. Muitos se
perguntavam qual seria a história daquela afável mulher.
Essa bela experiência que vivenciei me levou a refletir
sobre como a aparência nos leva a opiniões e decisões erradas. Para Saramago, a visão nos cega, pois prestamos atenção apenas às
aparências, que nos afastam da essência.
Nestes tempos em que o
consumo virou prazer e, pior, as pessoas procuram se identificar com os
produtos, principalmente para projetar sua imagem (último modelo de telefone,
carrão, etc.), que identificação a pianista tem com sua sacola de roupa velha,
o gorro surrado, as unhas maltratadas? Pois é. Nada a ver com tocar piano.
A imagem é formada
por quem vê, não por quem a projeta. Por exemplo, o sujeito se veste com uma
roupa cara, penteia o cabelo, escova os dentes com uma pasta importada, dá uma última olhada no
espelho e sai para arrasar corações femininos. Tem uma imagem excelente de si
próprio. Acha-se irresistível. A mulherada, porém, quando o vê, desvia o olhar
ou vai pra outro canto. A imagem que ele tem de si é muito diferente daquela
que os outros têm. O sujeito ACHA que a imagem que ele tem de si é
compartilhada pelos outros.
Muitos conseguem,
claro, utilizando os mais diversos recursos, promover uma imagem e ela ser
assimilada pela sociedade. Imagem não só de produtos, mas também de pessoas. Os
políticos que o digam, em seu ambiente de simulação, onde o real e o imaginário
se confundem. A informação que nos chega desse ambiente é de um mundo feito de
acordo com as conveniências pessoais. O mundo vira um espetáculo para assistirmos.
Se não cuidarmos, o julgamento que temos das
coisas é dado pela aparência, que sempre muda. Lá na estação de trem, se eu fosse para a
esquerda, ou direita, pra frente, pra trás, poderia haver mudança da aparência
da instrumentista. Mas a realidade: a música, a sonoridade, a emoção sentida, a
elegância nos toques ao teclado seriam sempre os mesmos.
Isso nos leva a
diferenciar pensar e perceber. Pensar é visualizar a realidade como ela
realmente é. Perceber é visualizar a aparência. Os grandes meios de
comunicação têm direcionado seus leitores/telespectadores/ouvintes para o
PERCEBER. Afinal, a primeira impressão que temos das coisas é a aparência. Nem
todos têm consciência disso.
A pianista sai às
ruas sem pensar em projetar esta ou aquela imagem. Tanto ela quanto grande
parte dos políticos têm uma aparência muito diferente da realidade.
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