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domingo, 15 de fevereiro de 2015

A DONA DA MALA E OS POLÍTICOS

- Que gentarada! A Europa está infestada de brasileiros. Péssimo para o Brasil! Me disseram que isso dá inflação.

Parte de um diálogo na fila de embarque do aeroporto Charles De Gaulle, em Paris. A reclamante, que embarcaria na classe executiva, bem vestida, maquiada, com uma mala de bordo de couro, falava olhando a enorme fila da classe econômica, composta quase totalmente por  alegres brasileiros. Ela não fazia parte da "gentarada".

Aeroportos cheios incomodam. Uma socialite disse que viajar para Nova Iorque não tinha mais graça, pois poderia encontrar o porteiro de seu edifício.  O prazer não está na viagem, mas na exclusividade. Se a "gentarada" também pode, perde a graça.

As madames exclusivistas ficam em polvorosa com as réplicas de marcas famosas de roupas, sapatos, bolsas, etc. produzidas por chineses e paraguaios. Bobagem. Se uma pobretona consegue juntar, anos a fio, dinheiro pra comprar uma legítima bolsa Louis Vuitton, terá perdido seu tempo e dinheiro. Ao sair pra rua, qualquer pessoa tem certeza de que é imitação, uma mera réplica, mesmo não sendo. Por outro lado, se uma socialite sair com uma bolsa Louis Vuitton falsa, qualquer pessoa tem certeza de que é original, mesmo não sendo. Não tem jeito.

Voltando à reclamante do aeroporto em Paris, no desembarque em São Paulo, havia fila, sem distinção de classe, para a checagem na alfândega. Os brasileiros, conversadores, respeitosos com a fila. Um funcionário da empresa aérea pede licença para passar com um cadeirante. Todos se apertam para dar-lhe passagem. A madame aproveitou, e, arrastando sua mala de couro, foi logo atrás da cadeira de rodas, "no vácuo", quase grudada no condutor da cadeira, e sumiu lá na frente. Passou na frente da "gentarada". Para os padrões dela, de exclusividade, estava certa. Provavelmente reclama dos filhos da "gentarada" que estão nas universidades, atrapalhando os filhos dos "exclusivistas", reclama da falta de ética dos políticos e, claro, da suposta inflação provocada por tanta gente viajar.

É possível que seja apenas mais uma que nunca trabalhou, rodeada de empregadas domésticas e babás. Várias como ela  se manifestam nas redes sociais contra os direitos conquistados pelas empregadas domésticas e criticam o Bolsa Família de 70 reais. Se for esposa de político, tem carro e motorista à disposição... por nossa conta.

E, por falar em político, enquanto em Londres eles não têm carro oficial, nem motorista pago pelo erário, por aqui sustentamos carros luxuosos e motoristas bem pagos à disposição dos nossos representantes e familiares. E as esposas dos deputados federais se organizaram para pedir ao novo presidente da Câmara passagens aéreas para que possam viajar com seus maridos. O novo presidente, em sua campanha para a presidência, prometeu ampliar as regalias dos deputados caso fosse eleito.

Na Suécia, políticos não têm gabinetes luxuosos com secretárias. Carro, nem pensar. Aposentadoria quando termina o mandato? De jeito nenhum!

Se os políticos daqui usassem transporte público, com certeza fariam algo para melhorá-lo. Se tivessem salário de professor, lutariam para melhorar a vida de todos.

Mas eles dispõem de um poder especial, entre muitos outros: fixar seus próprios salários. Enquanto o governo do Paraná joga nas costas dos professores e da população a má situação econômica que ele mesmo provocou, os deputados se autoaplicam um aumento salarial de 26%. Pelo menos quatro vezes a inflação anual. 

Por aqui, ex-presidentes da república têm direito a seis assessores, dois carros com motoristas à disposição pelo resto da vida. Mesmo Collor, amparado pelos juízes do TRF.

A madame da mala de couro representa boa parte da população brasileira. E a postura dela é compatível com a ética de nossos políticos. E a coisa está piorando.

Diz o jornalista Sakamoto: "O Congresso não ficou pior. Apenas está mais parecido com o Brasil".

Só seremos salvos quando o Judiciário passar a punir os corruptos sem seletividade, sem protecionismo.

angeloroman@terra.com.b

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