- Que
gentarada! A Europa está infestada de brasileiros. Péssimo para o Brasil! Me
disseram que isso dá inflação.
Parte de um diálogo na fila de embarque do aeroporto Charles
De Gaulle, em Paris. A reclamante, que embarcaria na classe executiva, bem
vestida, maquiada, com uma mala de bordo de couro, falava olhando a enorme fila
da classe econômica, composta quase totalmente por alegres brasileiros. Ela não fazia parte da
"gentarada".
Aeroportos cheios incomodam. Uma socialite disse que viajar
para Nova Iorque não tinha mais graça, pois poderia encontrar o porteiro de seu
edifício. O prazer não está na viagem,
mas na exclusividade. Se a "gentarada" também pode, perde a graça.
As madames exclusivistas ficam em polvorosa com as réplicas de
marcas famosas de roupas, sapatos, bolsas, etc. produzidas por chineses e
paraguaios. Bobagem. Se uma pobretona consegue juntar, anos a fio, dinheiro pra
comprar uma legítima bolsa Louis Vuitton, terá perdido seu tempo e dinheiro. Ao
sair pra rua, qualquer pessoa tem certeza de que é imitação, uma mera réplica,
mesmo não sendo. Por outro lado, se uma socialite sair com uma bolsa Louis Vuitton
falsa, qualquer pessoa tem certeza de que é original, mesmo não sendo. Não tem
jeito.
Voltando à reclamante do aeroporto em Paris, no desembarque
em São Paulo, havia fila, sem distinção de classe, para a checagem na alfândega.
Os brasileiros, conversadores, respeitosos com a fila. Um funcionário da
empresa aérea pede licença para passar com um cadeirante. Todos se apertam para
dar-lhe passagem. A madame aproveitou, e, arrastando sua mala de couro, foi
logo atrás da cadeira de rodas, "no vácuo", quase grudada no condutor
da cadeira, e sumiu lá na frente. Passou na frente da "gentarada".
Para os padrões dela, de exclusividade, estava certa. Provavelmente reclama dos
filhos da "gentarada" que estão nas universidades, atrapalhando os
filhos dos "exclusivistas", reclama da falta de ética dos políticos
e, claro, da suposta inflação provocada por tanta gente viajar.
É possível que seja apenas mais uma que nunca trabalhou, rodeada
de empregadas domésticas e babás. Várias como ela se manifestam nas redes sociais contra os
direitos conquistados pelas empregadas domésticas e criticam o Bolsa Família de
70 reais. Se for esposa de político, tem carro e motorista à disposição... por
nossa conta.
E, por falar em político, enquanto em Londres eles não têm
carro oficial, nem motorista pago pelo erário, por aqui sustentamos carros
luxuosos e motoristas bem pagos à disposição dos nossos representantes e
familiares. E as esposas dos deputados federais se organizaram para pedir ao
novo presidente da Câmara passagens aéreas para que possam viajar com seus
maridos. O novo presidente, em sua campanha para a presidência, prometeu
ampliar as regalias dos deputados caso fosse eleito.
Na Suécia, políticos
não têm gabinetes luxuosos com secretárias. Carro, nem pensar. Aposentadoria quando
termina o mandato? De jeito nenhum!
Se os políticos daqui usassem transporte público, com certeza
fariam algo para melhorá-lo. Se tivessem salário de professor, lutariam para
melhorar a vida de todos.
Mas eles dispõem de um poder especial, entre muitos outros:
fixar seus próprios salários. Enquanto o governo do Paraná joga nas costas dos
professores e da população a má situação econômica que ele mesmo provocou, os
deputados se autoaplicam um aumento salarial de 26%. Pelo menos quatro vezes a
inflação anual.
Por aqui, ex-presidentes da república têm direito a seis
assessores, dois carros com motoristas à disposição pelo resto da vida. Mesmo
Collor, amparado pelos juízes do TRF.
A madame da mala de couro representa boa parte da população
brasileira. E a postura dela é compatível com a ética de nossos políticos. E a
coisa está piorando.
Diz o jornalista Sakamoto: "O Congresso não ficou pior.
Apenas está mais parecido com o Brasil".
Só seremos salvos quando o Judiciário passar a punir os
corruptos sem seletividade, sem protecionismo.
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