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sábado, 24 de janeiro de 2015

"O PROBLEMA É O GUARDA DA ESQUINA"

Meados dos anos 60. O policial, de quepe na cabeça, estava logo à minha frente no cinema, que havia virado um teatro naquele dia. O diretor de teatro Roberto Menghini percorria o Paraná com sua trupe apresentando uma peça. Como não havia prédio próprio para isso, o cinema foi utilizado, com a construção de um palco de madeira. 

A história apresentada no palco era ambientada numa favela. Os atores utilizavam a linguagem própria desse ambiente. Com alguns minutos de encenação, o policial levantou-se e saiu em direção ao "camarim", ao lado do palco. A plateia em silêncio, observava. Abriu violentamente a cortina improvisada, a apresentação foi interrompida e todos ficamos aguardando. Ninguém dava um pio. Dali a pouco, com o peito estufado,  abriu a cortina, desfilou pelo corredor do cinema e voltou ao seu lugar. Tinha cumprido seu "dever" de guarda da esquina da ditadura: proibiu a utilização de linguagem que ele, do alto de seu uniforme, considerou inadequada aos bons costumes. Não importava que a história se desenrolava numa favela. Nada de gíria!

Os atores improvisaram e conseguiram terminar sem serem molestados, caprichando no Português. A peça ficou descaracterizada, mas a moral foi preservada pelo uniforme militar!

Quando o ditador Costa e Silva impôs o Ato Institucional nº5, o único a discordar foi o vice-presidente civil Pedro Aleixo. À pergunta "Vossa Excelência não respeita a posição do Presidente, não acredita na Justiça com que ele vai conduzir isso?", respondeu Aleixo: "Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o País; o problema é o guarda da esquina". O "guarda da esquina" já se sentia o tal. Depois do AI 5, a coisa piorou.

A História nos mostra que os militares não permitiram que Pedro Aleixo assumisse a Presidência com a morte de Costa e Silva e que o problema não ficou restrito ao "guarda da esquina". A ditadura acabou, mas alguns "guardas da esquina" viraram torturadores, censores e matadores. Até hoje.

A cada pouco, são noticiados casos de mortes cometidas por policiais. Cada vez nos parece que será o último caso, que não farão mais isso. Mas... elas continuam.

Pouco tempo atrás, Cláudia Silva Ferreira levou dois tiros de policiais, enquanto ia comprar pão, e depois foi arrastada no asfalto, presa ao porta-malas de um carro da polícia. Dos policiais envolvidos, um já respondia a 16 processos por homicídio. Outro, a três processos. E não serão julgados pela justiça comum.
O caso da estudante Haíssa Vargas, morta por policial em São Paulo só teve providências cinco meses depois, apenas porque a mídia noticiou o fato, com vídeo. Senão...

Agora,um policial matou um surfista em Santa Catarina. Por ser um morto famoso, houve repercussão e prometem punição ao policial. Será?

O pai da menina Maria Vitória, morta recentemente com um tiro de policial, recebeu ameaça do assassino, acompanhada de uma risada e a afirmação de que isso ia dar em nada. De onde vem essa certeza? E, a cada pouco, outros casos envolvendo crianças, adultos, jovens.

Por que se sentem tão à vontade para continuarem com essas ações?

Afora problemas no Judiciário, nos processos contra policiais, a investigação é feita pelos próprios colegas de carreira. Isso pode contribuir para a situação.

Felizmente, em geral, o policial é um trabalhador como qualquer outro, tem família e é honesto. Mas vive na linha que o separa do mundo do crime.  Alguns se corrompem, quer pela falta de uma formação humana adequada, quer pelo baixo salário (professor e policial são muito mal pagos), quer por querer que o filho faça uma faculdade e não tem condições, ou por outras coisas.

Infelizmente,  Pedro Aleixo errou na primeira afirmação da frase e acertou na segunda. Deveremos ter um 2015 com mais problemas.

angeloroman@terra.com.br

No jornal:
http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=63436&Not=

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