Pra mim, há uma confusão séria com
relação à liberdade de expressão. Essa
liberdade permite, por exemplo, ofender alguém, diretamente ou por suas crenças? Vale tudo?
Permite que se publique charge de sua santa de devoção nua, de quatro? Matar por isso, jamais, mas
ficar indignado e reclamar é ser contra a liberdade de expressão?
Todos têm liberdade de pensamento e o
direito de divulgá-lo, se quiser. A
manifestação do que se pensa e as suas consequências é que podem gerar
problemas.
Temos a liberdade de informação, que
diz respeito ao direito de informar e de ser informado. Compreende o direito e
dever de a pessoa buscar a informação de fatos objetivamente apurados,
verdadeiros, o que inclui ter olhos abertos para não ser manipulada pelos meios
de comunicação.
A liberdade de expressão prevê a livre
expressão do pensamento, opiniões, crenças, ideias sobre algum assunto. É
subjetiva, subordinada ao juízo de quem divulga o fato. Mas ela gera
responsabilidade caso fira os direitos fundamentais de outros: não pode lesar a
intimidade, a privacidade, a honra e a imagem das pessoas.
Estranhei não ver charges de Latuff, o
maior chargista brasileiro, com trabalhos publicados no exterior, na reportagem
que a Globo fez sobre o brutal ataque à Charlie Hebdo. Vários deles apresentaram
trabalho sobre o tema. Latuff não foi chamado para a reportagem. Talvez por ele,
embora ter se indignado com o ataque, considerar provocativas e desrespeitosas
as charges da revista.
Os
islamitas têm costumes diferentes dos povos ocidentais.Por isso são, muitas
vezes e indevidamente, atacados e ridicularizados. Algumas dessas correntes
respondem com violência e deturpam seus próprios fundamentos. Mas não são os
únicos a defenderem sua fé dessa forma. E os cristãos ? São bonzinhos?
Afora os crimes da Igreja Católica nas Cruzadas (algo de que ela própria hoje
se envergonha), agora existe o Exército de Resistência do Senhor, na África
Central, grupo fundamentalista que deturpa os ensinamentos do cristianismo. Seu
líder, cristão, se diz porta-voz de Deus. Arrebanha meninos para serem soldados
e meninas para serem escravas sexuais
dos soldados. Matam a torto e a direito. É só procurar a informação, que a
nossa mídia não dá, que encontra (afinal, o direito de informação inclui o
dever de procurá-la).
O recente massacre (2.000 pessoas) feito pelo grupo Boko Haram, na
Etiópia, foi praticamente ignorado pela imprensa. Não tem a ver comparar número
de mortes. Um morto já é muito. Uma indignação não exclui outra. Mas a imprensa
mundial, ao estabelecer o massacre na Charlie Hebdo como um ataque à liberdade
de expressão de todos nós, procuraram nos convencer de que nós e nossa liberdade de expressão fomos
atacados. Bem, mesmo que não tivesse ocorrido o massacre dos jornalistas
franceses, o de Baga, Etiópia, continuaria a não ter importância, assim como os
assassinatos praticados pelo cristão Exército de Resistência do Senhor.
O movimento sobre liberdade de expressão iniciado com o ataque à Hebdo
deverá ser utilizado, indevida e falaciosamente, contra qualquer tentativa de
se colocarem regras na comunicação no Brasil. Não é salutar seis famílias
controlarem 70% da mídia de um país. Essa concentração monopólica é
verdadeiramente a maior ameaça à liberdade de expressão. Os monopólios vão
dizer para seus ouvintes/leitores que regulamentar é censurar.
O Papa Francisco diz que
"Liberdade de expressão não permite insulto à fé dos outros", mas
condena severamente o ataque aos jornalistas. As duas coisas merecem reflexão:
a liberdade de expressão e o ataque.
No jornal: http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=63309&Not=
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