Pesquisar neste blog

domingo, 13 de julho de 2014

SER VELHO OU IDOSO, UMA ESCOLHA

A mulher, vestida de negro e vermelho, maquiagem marcante, com uma flor vermelha no cabelo chamava a atenção, sentada numa mesa à entrada do restaurante que ainda não conhecíamos.
Um atendente se aproximou. Dissemos que nos esperavam no segundo andar. “Ah! Na seresta!”, disse. Deparamo-nos com um salão bem iluminado, de aspecto agradável, ambiente de típica noite de inverno: bufê farto de queijos, pães, torradas e sopas deliciosas. Lotado.
Me senti muito bem. Olhando os presentes, num cálculo rápido, percebi que eu, com 65 anos, era um dos mais novos entre os mais de cinquenta homens presentes. Todos subiram pelas escadas. Não havia elevador.
A alegria tomava conta do ambiente. Não eram velhos os homens e mulheres presentes. Eram idosos. O velho e o idoso podem ter a mesma idade, mas são diferentes. A idade traz consequências de desgaste no corpo. O idoso vive COM elas e não APESAR delas. As células se degeneram deterioram com o tempo. Isso é inevitável. Mas o velho sofre degeneração do espírito. O idoso não.
No idoso, a alma não envelhece. “Quando você é idoso, sonha; quando é velho, apenas dorme.” No rosto do idoso, as rugas são bonitas, com marcas de sorriso, da alegria de viver. No do velho, as rugas não têm beleza. Estão com marcas de amargura.
Naquele espaço, novo para nós, de convivência com tanta afetividade, os idosos cantavam. Fiquei impressionado. Um tocava teclado, muito, muito bem. A senhora que começou a cantoria, com muita vitalidade e alegria, deu um show. Nos disse, depois, sempre sorrindo, que tinha 84 anos. 
Saía um cantor, homem ou mulher, entrava outro. Todos joviais, com andar firme, altivo, mas com leveza. E parecia que o que se apresentava cantava melhor ainda que o anterior. Vozes potentes, interpretações impecáveis, melodiosas, harmoniosas. Vestuário esmerado, mulheres maquiadas, muitas de chapéu.
Saíram das gargantas de ouro dos idosos: Roberta, Professorinha, Rien de Rien, Lá no pé da serra, My way, As rosas não falam e outras canções lindíssimas. Uma senhora declamou. Lindo! Outro foi contar uma boa piada. Todos rindo, sorrindo, felizes. As mulheres, mais desinibidas, deslizavam graciosamente de mesa em mesa com o microfone sem fio, semblante alegre, interpretando a música com o corpo. E com a alma.
A senhora com a flor no cabelo, que antes estava na entrada do restaurante, também se levantou e foi ao microfone. Cantou Mi Buenos Aires querido, do Carlos Gardel. Outro show.
Velho acha isso tudo atividade imprópria para quem tem mais de 60. O idoso, porém, vive o dia de hoje e ainda imagina o futuro. Velho só pensa e vive no passado. Claro, é bom ter lembranças gostosas, mas não apenas viver delas.
Não vi nenhum velho ali. E eram muito organizados, sem pressa. Mesmo com mais de 100 pessoas, em nenhum momento houve fila para as sopas e torradas. E os recipientes eram frequentemente reabastecidos pelos garçons.
Esses idosos têm calendário. Calendário de velho só tem ontem. Calendário de idoso só tem amanhãs. Na próxima quinta, estarão lá novamente, esbanjando sorrisos, alegria. Provavelmente cantarão outras músicas.
Saí com a alma leve. Aqueles semblantes, aquela alegria, aqueles sorrisos felizes ficaram registrados em mim. Vi que todos podemos optar por ser velhos ou idosos, mesmo sem cantar. 
Ao atender o convite, não sabíamos que teríamos uma aula de vida nessa noite.

Um comentário: