A mulher, vestida de negro e vermelho,
maquiagem marcante, com uma flor vermelha no cabelo chamava a atenção, sentada
numa mesa à entrada do restaurante que ainda não conhecíamos.
Um atendente se aproximou. Dissemos que nos
esperavam no segundo andar. “Ah! Na seresta!”, disse. Deparamo-nos com um salão
bem iluminado, de aspecto agradável, ambiente de típica noite de inverno: bufê
farto de queijos, pães, torradas e sopas deliciosas. Lotado.
Me senti muito bem. Olhando os presentes, num
cálculo rápido, percebi que eu, com 65 anos, era um dos mais novos entre os
mais de cinquenta homens presentes. Todos subiram pelas escadas. Não havia
elevador.
A alegria tomava conta do ambiente. Não eram
velhos os homens e mulheres presentes. Eram idosos. O velho e o idoso podem ter
a mesma idade, mas são diferentes. A idade traz consequências de desgaste no
corpo. O idoso vive COM elas e não APESAR delas. As células se degeneram
deterioram com o tempo. Isso é inevitável. Mas o velho sofre degeneração do
espírito. O idoso não.
No idoso, a alma não envelhece. “Quando você é
idoso, sonha; quando é velho, apenas dorme.” No rosto do idoso, as rugas são
bonitas, com marcas de sorriso, da alegria de viver. No do velho, as rugas não
têm beleza. Estão com marcas de amargura.
Naquele espaço, novo para nós, de convivência
com tanta afetividade, os idosos cantavam. Fiquei impressionado. Um tocava
teclado, muito, muito bem. A senhora que começou a cantoria, com muita
vitalidade e alegria, deu um show. Nos disse, depois, sempre sorrindo, que
tinha 84 anos.
Saía um cantor, homem ou mulher, entrava outro.
Todos joviais, com andar firme, altivo, mas com leveza. E parecia que o que se
apresentava cantava melhor ainda que o anterior. Vozes potentes, interpretações
impecáveis, melodiosas, harmoniosas. Vestuário esmerado, mulheres maquiadas,
muitas de chapéu.
Saíram das gargantas de ouro dos idosos:
Roberta, Professorinha, Rien de Rien, Lá no pé da serra, My way, As rosas não
falam e outras canções lindíssimas. Uma senhora declamou. Lindo! Outro foi
contar uma boa piada. Todos rindo, sorrindo, felizes. As mulheres, mais
desinibidas, deslizavam graciosamente de mesa em mesa com o microfone sem fio,
semblante alegre, interpretando a música com o corpo. E com a alma.
A senhora com a flor no cabelo, que antes
estava na entrada do restaurante, também se levantou e foi ao microfone. Cantou
Mi Buenos Aires querido, do Carlos Gardel. Outro show.
Velho acha isso tudo atividade imprópria para
quem tem mais de 60. O idoso, porém, vive o dia de hoje e ainda imagina o
futuro. Velho só pensa e vive no passado. Claro, é bom ter lembranças gostosas,
mas não apenas viver delas.
Não vi nenhum velho ali. E eram muito
organizados, sem pressa. Mesmo com mais de 100 pessoas, em nenhum momento houve
fila para as sopas e torradas. E os recipientes eram frequentemente
reabastecidos pelos garçons.
Esses idosos têm calendário. Calendário de
velho só tem ontem. Calendário de idoso só tem amanhãs. Na próxima quinta,
estarão lá novamente, esbanjando sorrisos, alegria. Provavelmente cantarão
outras músicas.
Saí com a alma leve. Aqueles semblantes, aquela
alegria, aqueles sorrisos felizes ficaram registrados em mim. Vi que todos
podemos optar por ser velhos ou idosos, mesmo sem cantar.
Ao atender o convite, não sabíamos que teríamos
uma aula de vida nessa noite.
A M A N H Ã
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