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quinta-feira, 15 de julho de 2021

SOBRE INVISIBILIDADE E UTOPIA



Artur Roman

 

Quando estudei na ECA-USP, tomei conhecimento de uma pesquisa de Mestrado em Psicologia, desenvolvida por Fernando Braga: “Garis – um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública”.

Apresentada em 2002, a dissertação reflete sobre a experiência do pesquisador que, durante alguns anos, de duas a três vezes por semana, se vestia de gari e trabalhava junto com os demais trabalhadores da limpeza da USP.

Varrendo o chão, muitas vezes, o pesquisador, travestido de faxineiro, encontrou-se com os colegas de faculdade e também com os professores, mas nunca foi reconhecido. Ele se tornava invisível quando estava uniformizado como faxineiro.

O autor discute em sua dissertação a invisibilidade relacionada à divisão social do trabalho que acaba produzindo uma espécie de “cegueira psicossocial” que elimina do campo de visão, especialmente da classe média e da classe alta, aqueles que exercem uma atividade considerada subalterna, desqualificada e desprestigiada socialmente.

“NÓS VAMOS INVADIR SUA PRAIA”

O Governo do PT deu visibilidade a cerca de 40 milhões de brasileiros que nós nem sabíamos que existiam, embora estivessem o tempo todo ao nosso lado desenvolvendo atividades que consideramos sem importância social.

Quando esses brasileiros conquistaram melhores condições econômicas, graças às políticas públicas capitalistas do governo petista, começaram a ser notados por nós nos supermercados, nos shoppings, nas praias, nos aeroportos, nas universidades.

Infelizmente, isso ficou no passado. Não conseguimos manter essas conquistas e milhões de brasileiros voltaram à marginalidade social por conta das políticas antissociais e medidas contra o trabalhador tomadas pelo atual governo.

CARAMBA: O TIOZÃO DO CHURRASCO É FASCISTA!

Mas o Governo do Bolsonaro fez algo parecido com o que o Governo do PT havia feito: também deu visibilidade a milhões de brasileiros que muitos de nós nem sabíamos que existiam.

Refiro-me aos preconceituosos, homofóbicos, machistas, misóginos, racistas, fascistas… E eles estavam o tempo todo ao nosso lado, na família, no trabalho, na escola, no clube.

Empoderados por seu mito, essa legião passou a ter vez e voz inundando, especialmente as redes sociais, com suas ideias amparadas em argumentos “bem fundamentados”, elaborados após "pesquisa extenuante" em fakenews, que resultam em posts recheados de KKK, reforçados retoricamente, pelos mais criativos, com agressões e ofensas.

ESTE É O BRASIL QUE TEMOS. O QUE FAZER COM ELE?

Embates políticos e ideológicos são corriqueiros nas democracias, mas o genocida defecante foi além, agregando ódio e agressões ao adversário, mobilizando a ira estúpida dos seguidores de sua seita.

Essa situação que, certamente, não desejávamos, serviu pelo menos para tirar as vendas sociais de nossos olhos, nos permitindo, hoje, ver, com um pouco mais de nitidez, que o conceito “povo brasileiro” é uma abstração teórica.

Somos, na concretude da vida, um amontoado difuso e confuso de gentes diversas e multifacetadas em constante degladio e também compartilhando afetos.

Sim, nós nos conhecemos muito pouco! Entre nós brasileiros, encontramos uma variada fauna que vai do democrata ao ditador; do sábio ao néscio; do ilustrado ao bronco; do ateu ao neopentecostal; do libertário ao autoritário; do globalista ao terraplanista; do solidário ao explorador; do freireano ao olavista; do laico ao fundamentalista; do comunitário ao individualista; do pacifista ao belicista; do politizado ao alienado; do acolhedor ao preconceituoso; do escravo ao senhor de engenho…

Nosso desafio é sobreviver democraticamente, portanto conflituosamente, em um país classificado hoje como a 12ª economia do mundo (chegou ao 6º lugar no Governo do PT), mas tem uma das mais cruéis concentração de renda do mundo, com 27 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza.

Um país que se orgulha de juntar três milhões de pessoas na Parada LGTB em São Paulo, mas é o país que mais mata homossexuais no mundo: um a cada 16 horas!

Um país que realiza sofisticadas cirurgias de transplantes, que conseguiu magníficos avanços na área de tecnologia médica, que possui uma rede pública de atenção à saúde muito bem estruturada, mas, graças à condução desastrada, incompetente e irresponsável da pandemia, pelo governo, ostenta o vergonhoso índice de 537 mil mortes por Covid até dia 14/07/2021.

Sei que muitos se conformam com essa situação, por ingenuidade, alienação ou porque aceitam que a vida é assim. Outros, entre os quais me incluo, se envergonham de não termos ainda conseguido construir um país bom para todos os brasileiros.

E me entristeço ao ver o retrocesso institucional, econômico, político e social que está em curso no Brasil, nos colocando mais distantes ainda do que parece uma utopia que é termos um país socialmente justo.

Mas, como sou otimista, tenho fé que a partir de 2023, poderemos retomar o caminho da civilização e da social-democracia-libertária.

Por enquanto, me contento em pensar que, pelo menos, os estudantes e professores de Psicologia da USP olham hoje com mais atenção para o pessoal da limpeza com quem cruzam nos corredores da Universidade.

 

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