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sábado, 20 de junho de 2015

SERENATA: MÁQUINA DO TEMPO

A idade vai avançando e a pessoa vai mudando, não só fisicamente. Muitas vezes se tornando ridícula. A memória começa a falhar, a pessoa quer dirigir e controlar os filhos adultos, ficar em festas até tarde, beber como se fosse jovem, dar bronca em todo mundo. Alguns se tornam velhos, outros, idosos. Repito o que já escrevi num artigo: O idoso vive COM as consequências dos desgastes do corpo e não APESAR delas. O velho sofre degeneração do espírito, o idoso não. No idoso, a alma não envelhece. “Quando você é idoso, sonha; quando é velho, apenas dorme.” No rosto do idoso, as rugas são bonitas, com marcas de sorriso, da alegria de viver. No do velho, as rugas não têm beleza. Estão com marcas de amargura.

Um velho, ou idoso, pode acreditar que o namorado da filha ou namorada do filho morre de amores por ele, de tantas gentilezas que recebe. Na primeira encrenca entre eles, o sogrão/sogrona  nunca mais os vê. Ele faz mágicas, todos aplaudem, mesmo percebendo o truque pelos movimentos lentos, pela demora em apresentar os resultados do ilusionismo. Quer tocar e cantar as músicas de seu tempo. Ninguém aguenta, mas às vezes consegue, com aplausos benevolentes. Quer contar histórias do passado, só porque, no seu tempo de criança, sem televisão, as famílias se reuniam à noite pra conversar. Agora se reúnem na frente da TV, ou no almoço de domingo, cada um com seu smartphone, com pouca conversa.

Depois de cortar a grama, regar as plantas, arrisca-se a fazer poesias, que nunca fez na juventude. Geralmente horrorosas. Alguns velhos sentem saudades da ditadura militar, ouvindo rádio AM, de pijama listrado, lembrando-se de privilégios que tinham e que acabaram. Saem em passeatas, se sentindo jovens, pensando numa coisa nobre, sem saber que os objetivos dos organizadores são muito diferentes. E danosos. Paqueram garotas que poderiam ser suas filhas... ou netas. Outros são velhos de cabeça, mesmo com pouca idade. 

Os velhos são um desastre na internet. Acreditam em tudo o que os outros postam. E compartilham com desastrosos comentários. Os idosos são cautelosos. Curtem a tecnologia, mas exercitam o bom senso.

Essas coisas me vieram à cabeça, depois que, semana passada ouvi, vindo da rua, uma linda música cantada, acompanhada de violões, violino e cavaquinho. Lindas vozes.
Fui dar uma espiada. Achei que fossem pessoas de idade cantando, mas eram jovens, moças e rapazes, que compunham um grupo com vocal e instrumental lindos, cantando no jardim de uma casa próxima. Uma janela se abriu e um casal apareceu. Era uma serenata que o marido havia encomendado para a esposa.

Em serenata, tocam-se músicas de amor, geralmente de tempos passados. Há músicas caipiras (não sertanejas) e de bandas de rock que poderiam ser tocadas numa serenata, mas o conjunto tocava músicas românticas antigas. Muito bem executadas pela garotada.

Viajei no tempo, até minha juventude. Cidade pequena do interior, aos sábados, depois da meia-noite, saíamos para serestas. Tocávamos músicas românticas dos anos 60. Um ou dois cantores, dois instrumentistas, alguns pretendentes das meninas visitadas, que solicitavam a serenata e iam junto.

Havia um código para as meninas, hoje mães ou avós, nos informarem que estavam ouvindo: acendiam e apagavam a luz do quarto. Como de costume, deixavam no alpendre, num cantinho conhecido, um ou mais pratos com salgadinhos ou doces, cobertos com guardanapos de pano. Mesmo que algum pai ciumento não gostasse, as mães das meninas eram parceiras das filhas. Os quitutes tinham as mãos delas.

Havia também visita a casas que não tinham garotas. Os donos eram casais jovens e faziam questão de que fôssemos lá. Se não fizessem questão, íamos do mesmo jeito. Esses abriam a porta logo de cara.  Daí, rolavam uísque e cerveja.

Com a formação de um conjunto (agora chamado de banda), passamos a tocar bailes aos sábados. As serenatas aconteciam quando não havia compromisso do conjunto.

A serenata, hoje uma coisa rara, mesmo no interior, me foi uma máquina do tempo e uma provocadora de reflexões.


O que falo sobre os de mais idade diz muito respeito a mim, que estou procurando e me esforçando para ser um idoso, não um velho. Com muitas escorregadelas. 

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