Artur Roman
Quando estudei na ECA-USP, tomei
conhecimento de uma pesquisa de Mestrado em Psicologia, desenvolvida por
Fernando Braga: “Garis – um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública”.
Apresentada em 2002, a dissertação
reflete sobre a experiência do pesquisador que, durante alguns anos, de duas a
três vezes por semana, se vestia de gari e trabalhava junto com os demais
trabalhadores da limpeza da USP.
Varrendo o chão, muitas vezes, o
pesquisador, travestido de faxineiro, encontrou-se com os colegas de faculdade
e também com os professores, mas nunca foi reconhecido. Ele se tornava
invisível quando estava uniformizado como faxineiro.
O autor discute em sua dissertação a
invisibilidade relacionada à divisão social do trabalho que acaba produzindo
uma espécie de “cegueira psicossocial” que elimina do campo de visão,
especialmente da classe média e da classe alta, aqueles que exercem uma
atividade considerada subalterna, desqualificada e desprestigiada socialmente.
“NÓS VAMOS INVADIR SUA PRAIA”
O Governo do PT deu visibilidade a
cerca de 40 milhões de brasileiros que nós nem sabíamos que existiam, embora
estivessem o tempo todo ao nosso lado desenvolvendo atividades que consideramos
sem importância social.
Quando esses brasileiros conquistaram
melhores condições econômicas, graças às políticas públicas capitalistas do
governo petista, começaram a ser notados por nós nos supermercados, nos
shoppings, nas praias, nos aeroportos, nas universidades.
Infelizmente, isso ficou no passado.
Não conseguimos manter essas conquistas e milhões de brasileiros voltaram à
marginalidade social por conta das políticas antissociais e medidas contra o
trabalhador tomadas pelo atual governo.
CARAMBA: O TIOZÃO DO CHURRASCO É
FASCISTA!
Mas o Governo do Bolsonaro fez algo
parecido com o que o Governo do PT havia feito: também deu visibilidade a
milhões de brasileiros que muitos de nós nem sabíamos que existiam.
Refiro-me aos preconceituosos,
homofóbicos, machistas, misóginos, racistas, fascistas… E eles estavam o tempo
todo ao nosso lado, na família, no trabalho, na escola, no clube.
Empoderados por seu mito, essa legião
passou a ter vez e voz inundando, especialmente as redes sociais, com suas
ideias amparadas em argumentos “bem fundamentados”, elaborados após
"pesquisa extenuante" em fakenews, que resultam em posts recheados de
KKK, reforçados retoricamente, pelos mais criativos, com agressões e ofensas.
ESTE É O BRASIL QUE TEMOS. O QUE
FAZER COM ELE?
Embates políticos e ideológicos são
corriqueiros nas democracias, mas o genocida defecante foi além, agregando ódio
e agressões ao adversário, mobilizando a ira estúpida dos seguidores de sua
seita.
Essa situação que, certamente, não
desejávamos, serviu pelo menos para tirar as vendas sociais de nossos olhos,
nos permitindo, hoje, ver, com um pouco mais de nitidez, que o conceito “povo
brasileiro” é uma abstração teórica.
Somos, na concretude da vida, um
amontoado difuso e confuso de gentes diversas e multifacetadas em constante
degladio e também compartilhando afetos.
Sim, nós nos conhecemos muito pouco!
Entre nós brasileiros, encontramos uma variada fauna que vai do democrata ao
ditador; do sábio ao néscio; do ilustrado ao bronco; do ateu ao neopentecostal;
do libertário ao autoritário; do globalista ao terraplanista; do solidário ao explorador;
do freireano ao olavista; do laico ao fundamentalista; do comunitário ao
individualista; do pacifista ao belicista; do politizado ao alienado; do
acolhedor ao preconceituoso; do escravo ao senhor de engenho…
Nosso desafio é sobreviver
democraticamente, portanto conflituosamente, em um país classificado hoje como
a 12ª economia do mundo (chegou ao 6º lugar no Governo do PT), mas tem uma das
mais cruéis concentração de renda do mundo, com 27 milhões de brasileiros
vivendo abaixo da linha de pobreza.
Um país que se orgulha de juntar três
milhões de pessoas na Parada LGTB em São Paulo, mas é o país que mais mata
homossexuais no mundo: um a cada 16 horas!
Um país que realiza sofisticadas
cirurgias de transplantes, que conseguiu magníficos avanços na área de
tecnologia médica, que possui uma rede pública de atenção à saúde muito bem
estruturada, mas, graças à condução desastrada, incompetente e irresponsável da
pandemia, pelo governo, ostenta o vergonhoso índice de 537 mil mortes por Covid
até dia 14/07/2021.
Sei que muitos se conformam com essa
situação, por ingenuidade, alienação ou porque aceitam que a vida é assim.
Outros, entre os quais me incluo, se envergonham de não termos ainda conseguido
construir um país bom para todos os brasileiros.
E me entristeço ao ver o retrocesso
institucional, econômico, político e social que está em curso no Brasil, nos
colocando mais distantes ainda do que parece uma utopia que é termos um país
socialmente justo.
Mas, como sou otimista, tenho fé que
a partir de 2023, poderemos retomar o caminho da civilização e da
social-democracia-libertária.
Por enquanto, me contento em pensar
que, pelo menos, os estudantes e professores de Psicologia da USP olham hoje
com mais atenção para o pessoal da limpeza com quem cruzam nos corredores da
Universidade.
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