Meados dos anos 60. O
policial, de quepe na cabeça, estava logo à minha frente no cinema, que havia
virado um teatro naquele dia. O diretor de teatro Roberto Menghini percorria o Paraná
com sua trupe apresentando uma peça. Como não havia prédio próprio para isso, o
cinema foi utilizado, com a construção de um palco de madeira.
A história apresentada no
palco era ambientada numa favela. Os atores utilizavam a linguagem própria
desse ambiente. Com alguns minutos de encenação, o policial levantou-se e saiu
em direção ao "camarim", ao lado do palco. A plateia em silêncio,
observava. Abriu violentamente a cortina improvisada, a apresentação foi
interrompida e todos ficamos aguardando. Ninguém dava um pio. Dali a pouco, com
o peito estufado, abriu a cortina,
desfilou pelo corredor do cinema e voltou ao seu lugar. Tinha cumprido seu
"dever" de guarda da esquina da ditadura: proibiu a utilização de
linguagem que ele, do alto de seu uniforme, considerou inadequada aos bons
costumes. Não importava que a história se desenrolava numa favela. Nada de
gíria!
Os atores improvisaram e
conseguiram terminar sem serem molestados, caprichando no Português. A peça
ficou descaracterizada, mas a moral foi preservada pelo uniforme militar!
Quando o ditador Costa e
Silva impôs o Ato Institucional nº5, o único a discordar foi o vice-presidente civil
Pedro Aleixo. À pergunta "Vossa Excelência não respeita a posição do Presidente, não acredita na
Justiça com que ele vai conduzir isso?", respondeu Aleixo:
"Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o
senhor governam o País; o problema é o guarda da esquina". O
"guarda da esquina" já se sentia o tal. Depois do AI 5, a coisa
piorou.
A História nos mostra que os
militares não permitiram que Pedro Aleixo assumisse a Presidência com a morte
de Costa e Silva e que o problema não ficou restrito ao "guarda da
esquina". A ditadura acabou, mas alguns "guardas da esquina"
viraram torturadores, censores e matadores. Até hoje.
A cada pouco, são noticiados
casos de mortes cometidas por policiais. Cada vez nos parece que será o último
caso, que não farão mais isso. Mas... elas continuam.
Pouco tempo atrás, Cláudia
Silva Ferreira levou dois tiros de policiais, enquanto ia comprar pão, e depois
foi arrastada no asfalto, presa ao porta-malas de um carro da polícia. Dos
policiais envolvidos, um já respondia a 16 processos por homicídio. Outro,
a três processos. E não serão julgados pela justiça comum.
O caso da estudante Haíssa
Vargas, morta por policial em São Paulo só teve providências cinco meses
depois, apenas porque a mídia noticiou o fato, com vídeo. Senão...
Agora,um policial matou um
surfista em Santa Catarina. Por ser um morto famoso, houve repercussão e
prometem punição ao policial. Será?
O pai da menina Maria
Vitória, morta recentemente com um tiro de policial, recebeu ameaça do
assassino, acompanhada de uma risada e a afirmação de que isso ia dar em nada.
De onde vem essa certeza? E, a cada pouco, outros casos envolvendo crianças,
adultos, jovens.
Por que se sentem tão à
vontade para continuarem com essas ações?
Afora problemas no
Judiciário, nos processos contra policiais, a investigação é feita pelos
próprios colegas de carreira. Isso pode contribuir para a situação.
Felizmente, em geral, o
policial é um trabalhador como qualquer outro, tem família e é honesto. Mas vive
na linha que o separa do mundo do crime.
Alguns se corrompem, quer pela falta de uma formação humana adequada,
quer pelo baixo salário (professor e policial são muito mal pagos), quer por
querer que o filho faça uma faculdade e não tem condições, ou por outras
coisas.
Infelizmente, Pedro Aleixo errou na primeira afirmação da
frase e acertou na segunda. Deveremos ter um 2015 com mais problemas.
No jornal:
http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?NotID=63436&Not=